quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Quer um balde?

Quer um balde? Foi o que me perguntou minha filha, chamada Chiara, de nove anos, ao me ver, aos prantos, assistindo as cenas da Itália na novela Passione, da Rede Globo. Eu chorava de saudade da Itália, pelo reencontro com um tipo de emoção que me caracteriza. Trata-se de um tipo de intensidade afetiva, que faz com que eu viva de ‘afetos’, de enternecimento por uma paisagem (como a da Toscana, que tantas vezes vi presencialmente), pela lembrança de um amor, por um gesto, um olhar, uma palavra, uma música.

Minha relação com a Itália sempre foi assim, desde criança eu chorava de saudade de lá, mesmo antes de ter ido pela primeira vez. Era – e ainda é – uma saudade ancestral, provavelmente uma saudade de outras vidas, vividas na Itália, acredite quem quiser. O certo é que, para usar uma expressão do meu pai, “o jeitão dessa madeira” Malu é italiano, em grande parte, mesmo que eu também adore o Brasil, ame mesmo. Sou italiana por dentro. Isso me traz consequências, é verdade, mas, no geral, no ‘conjunto da obra’, traz mais vantagens que desvantagens, para mim e para as pessoas que me querem bem.

Lembro uma vez, em Roma, que entrei em um café, de manhã, e fiquei observando a ‘chiacchiera – conversa’ das pessoas do lugar. Era uma conversa do cotidiano, comum, de encontro de pessoas conhecidas em um café, em Roma. Não era só o conteúdo que chamava atenção, era o jeito das pessoas, a entoação, uma brincalhonice com um quê de malícia e sensualidade. Em meio às falas de bom dia, a insinuação sobre o motivo para aparentar cansaço, já de manhã, ou para a exuberância da alegria. “Cosa hai fatto questa notte per svegliare cosi Felice? (O que fizeste esta noite para acordar assim feliz?)”, brincava o dono do café com um amigo que acabara de entrar. (È stata una bella notte, veramente! (Foi uma bela noite, de verdade!)”. “Ah, hai incontrato Il tuo fidanzato? (Ah, encontrou o teu namorado?)”. E o grupo de pessoas do café desatou num riso frouxo, inclusive o sujeito diretamente envolvido, apesar de um pouco constrangido com a insinuação. Nesse momento, ele respondeu como um bom italiano, com caras e bocas e gestos muitos, que todos entendemos. Negava, dizia (sem falar) que sua preferência é outra. E todo mundo ria e gesticulava, numa troca de olhares, que depois desencadeava outras falas, risos e olhares e assim sucessivamente. Havia uma alegria, um tipo de emoção típica. As falas eram simples, de cumplicidade, entre amigos. Um elogio aos cabelos aqui, um comentário sobre a cor da roupa, uma parada para retrucar com um olhar que fingia repreender. Como quem diz: “Nãaaao provooca!”. Sei que fiquei olhando aquela cena cotidiana, as pessoas, seu jeito e pensei: ‘eu sou daqui’. Eu sei, eu sou de lá. Então, o que estou fazendo aqui? Bem, ao menos, estou indo passar uma parte da vida em terra de italianos, aqui no Sul do Brasil. Faz sentido.

A pergunta da minha filha de nove anos pode soar estranho para quem não me conhece, mas faz todo o sentido, pra quem se acostumou a me ver aos prantos, por motivos vários. Meeu Deus! Está bem, eu declaro publicamente que sou uma chorona inveterada... Já tive períodos de entressafra. Só que eles representam mais problema que solução, pra mim. Há pouco tempo, eu não conseguia chorar, por nada. Um dia tive que chamar a SAMU, em Porto Alegre, porque uma dor no peito insistia em não ir embora e eu fiquei em dúvida se estava tendo um treco. Queriam me remover. Também suspeitavam que as coisas não iam bem dentro de mim. Eu, que às vezes mais pareço uma nonna italiana, não quis ir. É horrível se sentir morrendo de dor, sem saber o que está acontecendo, mas enfrentar a espera de atendimento, a burocracia... ah... aí eu morreria mesmo... me irrita profundamente esse tipo de atendimento, mesmo nos hospitais particulares. Bem, não morri. Claro, se tivesse morrido não estava aqui contando a história... Depois, minha irmã me disse que se eu tivesse morrido ela me matava, por não tê-la chamado, por não ter pedido ajuda. Outra italiana dramática, risos.

A propósito de novela, “Insensato coração” - expressão que dá nome à próxima novela da Globo - parece a minha definição perfeita. Pra falar bem a verdade, eu não gosto disso. Prefiro meu jeito prático operacional, de executiva na vida, de coordenação de projetos, de racionalidade e sagacidade, que me faz vencer o tempo com jornalismo e amorosidade, com os processos de supervisão de texto na Pazza, no esmiuçar estratégico de planos e planejamentos em consultoria comunicacional. Ah.. como é fácil resolver os problemas dos outros, principalmente os problemas comunicacionais. Já fiz muita gente parar de chorar em momentos dramáticos, acionando estratégicas de psicologia cognitivista, disparando perguntas desconcertantes, que eu mesma não consigo fazer para mim, às vezes... só depois, só depois de um tempo... quando me digo: “Pára, sua tonta. Ficção é ficção. Realidade é realidade. O problema da vida é a diferença que existe entre as duas. Na ficção, as pessoas entram em crise vão pra Paris ou Roma (sniff sniff sniff). E ainda por cima lá vivem uma linda história de amor, com trilha sonora e tudo...às vezes, até neve... risos... Na vida real, tudo é mais concreto e menos afeto. Há que se abrir mão, com frequência, de amores verdadeiros, mas que não se mostram práticos operacionais, por uma razão ou outra. E seguir adiante no mesmo cenário ou em outro semelhante, sem a poética da Itália, só a poética italiana interna, aquela que não muda, não se desconfigura”.

Então, o fato é que o traço ‘cachoeira’ sempre volta, mesmo depois da ‘entressafra’, e eu, literalmente, ‘desaguo’, sem pudores, sem contenção, ‘sem vergonha’. Sinto-me melhor, quando consigo chorar... ao menos, o sentimento não fica preso no peito. Como eu disse pra minha filha hoje: “Quando eu choro, eu não estou sofrendo, durante o choro... eu já estava sofrendo antes. Quando eu choro, eu ponho pra fora o sofrimento!”. Bem, explicação de chorona, é verdade, mas é a que tenho. Preocupo-me porque há pouco tempo, li num texto que “o choro não é opção para lutadores”. A frase ficou ecoando em mim como uma condenação, uma impossibilidade para a vida. Como, então, eu posso ser uma lutadora (como sou, na prática da vida) se choro tanto? Talvez porque o meu choro tenha o princípio do fluxo d’água sentimento, fluxo de líquidos do corpo, que saem, se vão, passam, produzindo emoções fortes e, depois, ‘descarregam o sistema’. Fluxo de lágrimas que lavam internamente e, imediatamente depois do torpor de chorar, eu me levante e acione os dispositivos práticos operacionais, desista de ser golfinho ou de qualquer outra ideia louca, de entrega sem limites, quando não encontro as pontes, para a travessia.

O problema mesmo é quando ‘a maré’ volta a subir dentro de mim. Pra isso, algo como as imagens da Itália, da Toscana, de Napoli, Roma, de Verona... é suficiente, mais que suficiente. Pior, na mesma noite de hoje, olhei em volta e vi minha filha, também aos prantos, emocionada com uma cena da novela. Pensei: Meu Deusss... por que ela teve que herdar esse meu traço? Pra tentar descontrair, abracei-a e devolvi a pergunta: “Quer um balde?”.

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