quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Com a palavra, a leoa Dra Cardinale


Bem, conviver não é nada fácil. Conviver com as variações internas tampouco. O diálogo entre a Maria Luiza e a Malu teve grande repercussão interna e externa. Foi interessante receber os retornos, os e-mails, comentários feitos pessoalmente. Relendo a conversa, fiquei com a sensação de que a Malu levou a melhor. A Maria Luiza, na sua determinação de encontrar ‘o mundo certo’, foi sendo desbancada por uma Malu mais madura (Putz..ela vai ficar louca comigo...tô chamando de velha? Bem, não importa... cada um tem a idade que tem). Bem, de qualquer modo... abro espaço para a Dra Cardinale, que ficou se debatendo em mim. Ela é a leoa maior, mais parece uma fusão de eus. Talvez seja um pouco essa negociação a que a Malu se referiu. Não sei. Sei que a Dra Cardinale é uma das minhas grandes ‘verdades’. Segue a fala:

O tempo tem mais me ajudado que me judiado. Eu sei, estou mudada externamente. Eu sei, tenho as marcas do tempo e estou longe de uma aparência de menina, de jovem, jovem. Mas isso é um dado, não é um problema. Eu sou uma MULHER, não sou menina, não sou adolescente, não sou fragilzinha, não adianta. Este não é o meu perfil. Quem quiser conviver comigo, tem que partir disso. Ter paciência. Se preferir mulheres de contos de fadas tem que ir pra literatura. Eu sou uma mulher forte. Forte e frágil, como eu sempre digo, mas essa fragilidade tem se restringido muito. O que acontece é que a gente vai vivendo, vai vivendo, vai tropeçando, levantando, despencando, lidando com as consequências e, com o tempo, tudo segue mais naturalmente, sem dramas maiores, até mesmo as dores fortes, as grandes pancadas. Às vezes, me distraio, me solto mais... e desabo no ‘eu de antes’ (a Luiza menina), mas isso tem sido cada vez mais raro. Eu vi uma camiseta, uma vez, que nunca mais esqueci. Era uma camiseta branca, com um enorme cacho de uvas roxas. Acima do cacho, estava escrito: “Tudo na vida passa”; na parte inferior: “Até uva passa!”. Então, eu não me abalo.

Claro, eu continuo com a sensibilidade extrema de antes. Penso que não deixei de ser assim, sensível e tal (não vou falar muito disso, se não, a Maria Luiza vai se enlouquecer de novo, de braba), mas penso que aprendi a ‘matar no peito’, algumas bolas mais fortes, algumas situações mais difíceis, em todos os sentidos. Neste caso, sigo a orientação da minha nonna. Ela sempre me dizia: “Na vida, a última coisa que se perde não é a esperança. É a pose”, mas ela não se referia à pose, no sentido de ‘fazer de conta’, mas no sentido de ter postura, de empertigar o corpo e enfrentar a vida, assim, como quem enfrenta o mar. Minha nonna era uma nadadora. E completava, com outra frase, que ficava na metade.. ela não ousava dizer a última palavra. “Quanto mais você abaixa, mais aparece a....”. Ela não queria dizer a palavra ‘bunda’, porque minha nonna era uma senhora italiana, nascida em Subiaco, uma cidade próxima a Roma, tinha sido esposa de um comendador, o senhor meu nonno Diodato Cardinale. Então, ela trazia a tradição italiana arraigada. Não ficava bem falar a palavra ‘bunda’ pra neta, mas o ensinamento era o mesmo. Eu entendia. “Não te humilha. Não implora nada, por mais que isso seja importante para você. Vai embora, se for o caso. Não se lamenta, só segue em frente. Só isso”.

Talvez, em função disso, eu tenha repetido a seguinte fala, nos últimos tempos: “Eu sou descendente de gente que sobreviveu à guerra. Então, não espere que eu desabe por qualquer coisa”. Hoje mais do que nunca sou assim. Sofro, me emociono, como disse a Malu, no outro texto, vou à forra com a vida, mas não tenho vocação para sofrimento duradouro. Sofrimento tem que ter tempo marcado e curto. Não pode mandar na gente. Não pode nos ‘possuir’. Sofrimento, qualquer que seja, também passa.

Um exemplo cotidiano é uma situação em que queimei a mão com óleo quente. Um horror... uma dor imensa. Eu estava finalizando meu Relatório de Qualificação do Mestrado na época. Escrevia o texto em máquina de escrever (Alguém lembra? Teclas duras...). Precisava muito das minhas mãos ‘em dia’. A finalização do trabalho dependia disso. Na cozinha, fazendo uma fritura, de repente, do nada, formou-se uma bolha que explodiu e o óleo quente pegou parte da minha mão direita. Bahhh.. eu me lembro da dor até hoje. A sensação é que eu ia dissolver de tanta dor. O ímpeto inicial foi andar de um lado pra outro... pensava coisas desencontradas... se botava gelo... se corria.. gritava...me debatia...meu ex-marido tentava me ajudar, mas eu não conseguia nem escutá-lo. Só que, rapidamente, me dei conta que aquela dor não passaria, independente do que eu fizesse. Não imediatamente. Não rapidamente. Eu podia ir ao Hospital de Pronto-Socorro, coisa que acabei não fazendo.

O mais importante, contudo, foi me dar conta que não adiantava me debater. Então, sentei, olhei para a minha mão. Os dedos ainda estavam ali. Ufa! Pela dor que sentia, eu tinha fortes dúvidas em relação a isso. Me concentrei e comecei a pensar no restante do corpo, em tudo o que não estava doendo. A dor enorme continuava, mas eu fui me dando conta que o que doía era uma parte pequena, em relação ao todo da Malu. No restante do meu corpo não doía nada. Ia muito bem, obrigada. Então, optei por me concentrar no restante, no que não doía... Eu entendi que ganhei o dia, com a tal da queimadura. Aprendi uma das maiores lições de vida. Uso até hoje. Eu procuro me concentrar, meditar, buscar recursos internos para não me fixar nas dores. Independente do que estiver doendo. Reconheço que sou uma PESSOA com corpo, alma, espírito em condição de complexidade, o que me dá possibilidade de investimento em outras direções, que não a do sofrimento. É tudo uma questão de opção.

Lembrei agora as aulas de Comunicação e Psicologia, quando, na Oficina das Músicas, eu comentava um traço do sujeito deprimido. Vocês já repararam que a pessoa deprimida ‘curte’ a depressão? É, parece que ela sente uma espécie de prazer mórbido em ficar deprimida (Então, na prática, deveria ficar feliz por atingir seu objetivo...). Essa pessoa faz tudo para continuar sofrendo: busca fotografias antigas, sempre com a pessoa relacionada ao sofrimento; procura, por horas, uma música especial (a mais triste que existe); faz pratos típicos, também relacionados ao sofrimento. A pessoa deprimida é uma ‘profissional’ do sofrimento. Tem técnica. Eu sempre digo que é preciso fazer escolhas... optar se quer continuar triste ou se quer melhorar. Se quiser continuar triste, é fácil. É só cultuar o motivo de sofrimento. Se quiser melhorar, faz o contrário... abre mão. Tem coisas que não têm solução e ponto. Não dependem da gente. Quer dizer, a escolha do caminho é fácil, barbada. É só largar e seguir em frente. Não se detenha.

Outra dica pra lidar com o sofrimento é desbastar a onipotência. Onipotente é Deus. A gente não é quase nada, diante Dele. Quer dizer, a gente acha que pode tudo, que tem que conseguir tudo o que quer. Não tem. Às vezes, a gente não consegue. Há razões para isso, mas nem sempre acessamos a essas verdades. Parece incompreensível, inaceitável, mas, por alguma razão, que a própria razão desconhece, aquilo tão esperado... não acontece. A resposta é óbvia: o mundo não gira em torno dos nossos umbigos (eu sei, tem gente que não consegue aceitar isso, mas é verdade), o movimento cósmico não depende só de nós (depende também de nós mesmos). Então, temos que fazer a nossa parte, mas não podemos fazer a parte dos outros, nem do Universo. Fico pensando que, nessa grande travessia, nessa imensa aventura, que é a vida, às vezes, sabedoria significa abrir mão. Às vezes, é melhor ir embora e buscar outras terras, como fizeram os imigrantes italianos. Isso não é sem dor, mas é o que tem que ser. Aguenta-se a saudade, as lembranças dos momentos bons, a dor do tempo distante, as ausências, mas sobrevive-se e tem-se a chance de se reinventar em outro mundo. É isso.

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