domingo, 27 de fevereiro de 2011

Vida Pazza Comunicazione!



Que a vida nos leve, onde o coração estremece e, como uma prece, que possamos repetir a adoração e a confiança de que não estamos sozinhos. Seguimos o roteiro para o qual fomos chamados. Amor sem conta, Acolhimento mútuo. Produções de qualidade. Contribuir para aumentar a ternura e amorosidade no “Grande Ambiente Cósmico”....peço que todos se aliem nessa Rede de Afeto para o Bem Comum. Mais e mais amigos e Bem-Querer! Pazza Comunicazione (www.pazza.com.br) Beijos.

Amorosidades e investimentos desejantes

Meu tempo e minha intensidade eu dedico àqueles que me tocam de maneira especial, na ternura do abraço, na doçura do laço de afeto que nos une. Eu não gasto tempo, mas faço investimentos desejantes em pessoas que, pra mim, valem a pena. Gente que sabe rir, gente que sabe beijar, gente em que posso confiar e para quem me entrego como pessoa amorosa.

São diferentes os laços de afeto que me unem às pessoas. Todas têm um lugar especial, cada uma do seu jeito. Especiais dos especiais são alguns com quem minha alma se estremeceu, como se não fosse a primeira vez... como se a vida se reinventasse em potência mágica de um devir amoroso pleno e intenso mais duradouro, um substrato amoroso desses ‘tomara’ que a vida dure mais tempo, para eu ser feliz também por longa data.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SAMBA QUE TE QUERO SEMPRE MAIS!

Compromisso com o samba! Com essa expressão eu fui ensinando meus filhos que, nós, brasileiros, sujeitos vivos e alegres, temos compromissos com o samba. O samba é, na verdade, uma filosofia de vida. Não fui eu que inventei isso. O samba é o movimento do corpo, regido pela pulsão interna do ritmo marcado pela percussão. Bah.. forte, atiçador de dentro. Samba é como tesão. Nas suas variações, vai existindo e mexendo com a gente e o resultado, se nos soltarmos, é gozo, prazer, alegria. Assim também é o samba! Por isso, sambar é muito bom!

“Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé”. Penso que a frase é forte. Lida rapidamente, analisada como fala isolada talvez soe mal. Acredito, no entanto, que existem bons sujeitos que não sabem sambar. Sambar não é pra todo mundo, exige capacidade de requebrar e ousadia de mexer o quadril e coordenar o corpo na cadência ritmada do samba. Além disso, ainda há a coordenação entre as pernas que vibram, a respiração que oscila, a ginga que atiça, atiça...o samba provoca a sensação de vontade de sambar mais, mais e mais...Samba é, sem dúvida, sensual, muito sensual. Mas de uma sensualidade mestiça...de qualidade ímpar. Eu diria que saber sambar ...já é meio caminho andado, se é que me entendem.. risos.

Assim, gostar de samba faz diferença. Mesmo que o sujeito seja tímido, ainda não tenha desenvolvido o ‘molejo’ de sambista, ao ouvir o samba, ele sorri, altera os humores internos, consegue sentir a pulsação da percussão. Pulsa diferente, porque o samba ferve a gente, excita e relaxa ao mesmo tempo, produz alegria pela própria pulsação, pelo ‘processo’, eu diria (risos).. da ‘coisa’ em si...

Uma vez, numa praia italiana chamada Cesenático, ao ouvir o som da música brasileira em um bar, decidimos parar ali e acabamos começando a sambar. O bar começou a encher, porque os italianos ficaram encantados com o grupo sambando. Éramos dois adultos e duas crianças... Observei que eles ficavam encantandos com o movimento e a tranquilidade com que fazíamos isso. Sorriam... também atiçados...Em um determinado momento, um italiano mais ousado (quase uma redundância, porque, em geral, eles são ousados, deliciosamente ousados) veio conversar comigo. Elogiou, elogiou meus dotes de sambista e, depois, me perguntou quantos filhos eu já tinha...insinuando a relação entre samba e sexo... eu queria matar o italiano (na verdade não valia a pena, era um italiano lindo.. esse também é um traço do homem italiano.. há muuuuiitttooos homens lindos. Chega a ser um problema... risos...). Bom, mas na época eu estava casada.. meu marido ali sambando comigo e o tal italiano lindo me perguntando aquelas coisas...
Por fim.. eu entendi a relação... a lógica... a situação é que foi estranha.

Bom.. agora estamos em um tempo de samba à flor da pele. .em função da proximidade do carnaval.. eu continuo sambista.. com compromisso com samba... Vamos sambar???

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Encontro das Leoas Maiores


Maria Luiza: Olha só! Quanta honra! Dra Cardinale em pessoa, em carne e osso. Achei que ia voltar a dialogar com a Malu.

Dra Cardinale: Ela não está muito disposta para conversar com a senhora, nas atuais circunstâncias. Sabe bem que vem por aí um derrame de ironia e discurso, tipo: “Eu te disse! Eu te avisei!”. Outra coisa, a senhora sabe bem que sou a mais completa, minha constituição é a mistura de vocês. Então, vai cuidando a fala, porque estou com pouca paciência.

Maria Luiza: Leoa furiosa, de novo?!

Dra Cardinale: Não, pelo contrário. Estou ‘serena’, firme, determinada, focada, eu diria. Eu sinto tudo, tenho a intensidade da Malu, a emocionalidade da Luiza, mas sei bem o que fazer. Um tanto de racionalidade herdei da senhora, mas racionalidade retrabalhada, com inteligência emocional. Então, me poupa o sermão, porque não é o caso. Nem pra Malu seria...

Maria Luiza: Então, em que ponto estamos?

Dra Cardinale: No ponto de a senhora reconhecer que não sabe nada de Mitologia ou esqueceu, por conveniência, porque não gosta de alguns mitos, se apega sempre aos de luta, de conquistas, de vencer batalhas, como o do Jasão e o Velocino de Ouro, que é o seu preferido. O que se esquece é que a vida se constitui a partir dos quatro elementos e, portanto, a Malu está sendo coerente com uma de nossas forças motrizes, talvez a mais marcante, o nosso diferencial, o que é a nossa marca existencial.

Maria Luiza: Muito bonito discurso, mas esse traço de Psiquê em nós tem trazido mais problemas do que qualquer outra coisa. E a Malu é mais fogo do que água...

Dra Cardinale: A senhora sabe que não é assim. Os encontros com Eros sempre valeram uma vida, porque produziram uma intensidade que ecoa e permanece no tempo. Agora, cada ser humano é o resultado de sua dosagem dos quatro elementos: água, fogo, terra e ar. Somos o que somos, porque assim fomos forjadas. Por sorte, hoje, a descompensação do elemento água, na associação com o ar, dentro de nós, amenizou-se um pouco. Ter nascido libra, com lua em libra é uma complicação. Ainda é pouco, eu sei, mas a predominância do ascendente sagitário já resolveu alguma coisa. Aos poucos, chegamos lá. Estamos aqui para isso: aprender, amadurecer, com cada vivência, cada dia, cada relacionamento. O que vivemos até agora já o suficiente para a Malu entender que ela não está perdendo nada, porque, na verdade, não tinha, de fato. Tinha apenas o querer. Apesar do tempo, da intensidade, foi tudo sempre ‘quase’....

Malu: Peraí, deixa eu me meter. Dá licença. Prometi que não ia falar, mas assim não dá. Eu não inventei nada. Sei o que vivi. Sei no que me baseei para fazer meus ‘investimentos desejantes em busca da felicidade’. Tá.. entendi.. sei.. não se pode perder o que não se tem, de fato.. entendi.. sim Dra.. entendi...

Dra Cardinale: Sim, querida. Tal como Psiquê, você foi fiel aos seus sentimentos. Sua busca, seus investimentos são legítimos. Mas já é tempo de serenar.. de saber com quem se está vivendo, de viver amores de forma mais madura. Você sempre foi verdadeiramente intensa, mas somente em momentos especiais, com parceiros especiais consegue o que tem conseguido agora, saber o que está fazendo, o que pretende, porque pretende... saber ir adiante e recuar... até mesmo ir embora, como é o caso. Vejo que você está madura na expressão dos desejos e isso é raro e importante. Aprender a não desistir à toa, mas também não insistir mais que é recomendável. Saber finalizar com doçura, sem mágoa, sem nada, só amorosidade... esquecer a diferença..os dissabores.. só seguir em frente.

Malu: É. Eu só fiz amar!

Dra Cardinale: Isso não termina. Você sabe que não termina. Temos uma cristaleira da memória repleta de amores lindos, especiais, que nos fizeram felizes, enquanto estiveram conosco. Só mudamos o rumo, o jeito, a flexibilidade exagerada no laço amoroso, que mais entrega do que pede. Investimento desejante tem que ser cuidado, nesse sentido. Se não... descompensa.. não compensa...o mercado precisa de resultados.

Maria Luiza: Mas voltando à Mitologia.. estava achando interessante a análise da doutora...só que, que eu me lembre, Psiquê não segue adiante com essa tranquilidade toda. Ela sofre muito, pela reação de Eros.

Dra Cardinale: Em parte a senhora está certa. O que acontece é que Eros é lindo, é o Deus do Amor, é assediado e adorado pelas mulheres e envaidecido por tê-las assim, tão desejosas...Ele sente prazer em encantá-las com suas palavras doces e seu desempenho inigualável. Eros encanta as mulheres. Não é apenas um sedutor. Mas ele tem fortes laços com a mãe Afrodite, a Deusa da Beleza. Afrodite é apegada a Eros e, por isso, é tão complicada a aproximação de qualquer mulher mortal. Afrodite não aprovaria...ciúme de mãe. Eros não quer decepcionar a mãe. Ele não conseguiu matar Psiquê, que foi a recomendação dela. Apaixonou-se por Psiquê, mas isso não foi suficiente... pelo menos não até essa parte do mito. Eros fugiu, culpando Psiquê, pelo (parcial) desfecho. Nesse ponto do mito, não se sabe o que acontecerá. Psiquê fez o que lhe era de direito na sua condição de fêmea. Agora Psiquê segue sua viagem...

Maria Luiza: Segue triste, para os trabalhos aqueles...

Dra Cardinale: Olha, por isso eu digo que a senhora não compreende a Mitologia. Os mitos são matrizes narrativas existenciais. Praticamente tudo está ali, mas na lógica quântica dos tempos múltiplos, da espiral do tempo, existem atualizações. Psiquê não é mais a mesma, eu diria, pra ficar mais fácil de entender, embora tenha repetido matrizes narrativas. É do texto.. está no roteiro, mas ela vive agora sendo Psiquê contemporânea... ou Julieta...a Julieta dos dias atuais não optaria pela morte.. certamente não.

Maria Luiza: Mas então o quê? Segue como?

Dra Cardinale: Segue ‘pós-moderna’, se isto lhe diz alguma coisa, coerente com a mutação cósmica, atenta ao rumo e ao poder do Universo. Você viu a Malu hoje, em Caxias? Nada de tristeza. Ela comemorou em grande estilo a conquista, o fato de estar ali. É uma conquista profissional. Há muito ela queria isso. Depois, uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Bem.. o mito não termina aí, embora este seja um ponto de finalização. Psiquê encara a sua verdade. Malu também.

Malu: Acho graça as duas filosofando sobre Psiquê, sobre os traços de Psiquê em Malu. Analisando, analisando... eu sigo vivendo, fazendo graça até mesmo da minha atrapalhação... quando ela surge...estratégia de sobrevivência básica: o humor. Conseguir rir de mim mesma já é um grande passo. Viram hoje? Vou me dar muito bem em Caxias. Me preparei para isso. Vou fazer o meu melhor! Me aguardem. Estou livre, leve e solta...estou feliz com a oportunidade.

Maria Luiza: Então não está triste?

Malu: Mas que obsessão! Pode ter certeza que não. Sou jornalista. A realidade é minha matéria. Gosto de enxergar claro o rumo do texto, os sujeitos das frases.. vivo aninhando as palavras para as pessoas. Preciso fazer isso pra mim também. “Cada um no seu cada qual’... como se diz. Quando faço uma pergunta, em uma entrevista ou na vida, estou preparada para a resposta. Antes de tudo, o que mais desejo é a resposta. Aí, apreendo os detalhes, os silêncios. Silêncio também é resposta, também é informação. Como eu sempre digo. A informação orienta, dá rumo, dá direção para as pessoas. E eu vivo disso, da informação inteira. Como vocês viram, meu primeiro dia de Caxias do Sul foi muito feliz! E vou fazer o possível para tornar felizes as pessoas a minha volta, com a qualidade do meu trabalho, a amorosidade pelo ser humano, com minha italianice a toda prova. Vou me dar bem, vocês vão ver....vou me dar bem!

Maria Luiza: Mas essa criatura, quando eu penso que ela vai desabar, ela salta como quem gira num samba, na ginga da brasilidade que também carrega, com orgulho, na força e graça italiana di ballare la tarantela.. e agora... ainda inventou de dançar flamenco! Durma com um barulho desses por dentro... risos....

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Encontro de Leoas 5



Maria Luiza: Malu, Maluzinha, Maluquinha do meu coração (já que não tenho outro)... me diz uma coisa: Você enlouqueceu de vez? Ou foi impressão minha?

Malu: Não....estou normal. Quer dizer, no meu normal.

Maria Luiza: Ah tá, entendi. Normal maluca de atar...isso! Entendi.

Malu: Não me incomoda. Fiz o que achei que tinha que fazer. Não sou mulher de ficar de braços cruzados. Eu sei, falo demais... eu sei, amo demais... eu tudo demais. Mas ultimamente ando sofrendo demais também. Então...perdido por um perdido por cinco. Tanto faz. Ao menos abro meu coração. Digo as coisas que penso, vislumbro possibilidades e, se não for assim, sigo em frente... não vou morrer.

Maria Luiza: Muito fácil falar. Eu já te disse. Você é impulsiva, tem que se controlar. Ser mais sensata. Tá ficando velha e não se apruma.

Malu: Velha é você! Eu sou de dentro a jovem adulta. Tem muita gente com aparência de jovem que não tem a energia que eu tenho.

Maria Luiza: Eu sei. Você é uma bomba humana!

Malu: Um vulcão. Seria mais apropriado chamar de um vulcão. Mas um vulcão de amorosidades, de energia boa, de coragem... de vontade de ser feliz. Minha vida está passando e eu sei bem que não estou aqui a passeio. Ou eu faço alguma coisa ou o tempo passa e vou ter que esperar a outra encarnação. Na brincadeira toda, já vão sete anos... é tempo demais...

Maria Luiza: Mas você tem que entender que existem os tempos dos outros... das outras pessoas. Nem todo mundo tem seu ritmo... decide e pronto.

Malu: Eu sei e isso é uma das coisas que me enlouquece. Não é fácil de lidar. Mas eu penso que cada um tem que fazer suas escolhas. Mas eu faço as minhas...investimentos desejantes em felicidade. Eu sei o que busco. Eu posso adaptar, ceder, mudar um pouco a direção, ajustar... sou flexível nesse sentido... só não vou deixar o tempo passar... ficar pensando ‘na morte da bezerra’... não tenho vocação para paralisar...a minha parte da vida eu quero em ALEGRIA!

Maria Luiza: Vichi.. hoje você está impossível! Não vai adiantar conversar. Quando você está assim, sai falando.. agindo.. depois eu é que me ralo....

Malu: Nem sempre. Às vezes, você também se dá bem. Olha, eu tenho a vida para recomeçar essa semana. Só isso. Fecho o livro. Começam as atividades em Caxias do Sul, na UCS, estou de volta para o trabalho em rádio, sigo coordenando filhos e funcionários, planejando e trabalhando na Pazza Comunicazione (www.pazza.com.br). Estou lutando para voltar para o karatê e já está acertado que esse ano inicio dançar flamenco, que é um dos meus sonhos... Criatura.. pensa bem.. acha que posso me fechar em dores?

Maria Luiza: Está bem. Está bem. Depois não diga que não avisei.

Malu: Dona Maria Luiza, eu aprendi uma coisa, se você quer algo, abre a boca e diz. O risco é não receber, mas o pior é ficar na ‘expecta’, na espera, dependurado na quimera, no quem dera.. e se fosse e se não fosse e se desse.. .ai Meu Deus... que a vida siga.. que tudo se defina...e eu seja feliz em Caxias do Sul.

Maria Luiza: Então tá.. eu silencio... pra variar.. você não me pergunta antes...nem depois. Não pergunta nada. Sente, derrama sentimento e sai vivendo.. vamos ver no que vai dar. Depois conversamos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Moreno Claro

Lembro a beleza
de um moço moreno claro.
Seus olhos são doces, são ternos,
são olhos titubeantes...
são olhos de um claro moreno.
Queria dizer-te coisas,
mas o dia me atropela.
Quando o encontro em raros momentos,
brincamos, trocamos risos,
beijos, carinhos,
olhares morenos-claro
e depois...
nos amorenamos.

O Louco e a Solidão




Sai correndo do hospital, atravessa a rua – quase é atropelado – continua correndo na outra calçada, até que se choca com uma senhora de uns 60 anos mais ou menos – que vinha carregada de pacotes, pois acabara de sair do supermercado.

Com o incidente, ele parece ter adquirido uma calma, inexplicável enquanto a senhora se enfureceu completamente. Ele se levanta lentamente e se põe a olhar a senhora, que mal podia se por em pé de tanta raiva. Não dizia nada. A mulher esbravejava:

- Você não olha por onde anda? Olhe só o que fez. Todas as minhas compras... tudo. E nem ao menos me ajuda a pegar. Pior que isso, fica me olhando com essa cara de... de nada. Como é... não vai responder?

O louco não responde. Continua olhando a senhora que cada vez ficava mais nervosa. Depois de algum tempo, enquanto algumas pessoas que passavam resolveram ver o que tinha acontecido ou, mesmo, ajudar a recolher os pacotes, ele disse:

- A senhora sabe quem é o culpado da solidão no mundo?

A velha se indignou.

- Solidão? Isso é hora de falar em solidão?

- Solidão não tem hora dona, aparece. Assim como a senhora na minha frente. Assim... de repente. Aí parece que sempre esteve no mesmo lugar.

Ela interrompe.

- Quer parar de falar bobagem! Em vez de ficar aí falando todas essas bobeiras, por que não me ajuda a pegar esses chocolates que comprei para os meus netos?

- O culpado é o sol. Ele é o culpado da solidão do mundo. É um mal exemplo. O seu brilho... sozinho. É um mal exemplo. Se pudesse, eu terminava com ele. Com sua pompa.

- Olha aqui, rapaz. Eu não tenho tempo a perder com você. Vou andando, porque já estou atrasada.

Ela sai andando, procurando ajeitar novamente os pacotes. Ele muda de direção, para acompanhá-la, e continua falando ...

- Sabe, algumas pessoas são como ele. Acham que tem luz própria, que brilham por si, que não precisam de ninguém porque, sozinhas, já são o centro de tudo. Não tenho dúvidas, minha senhora, a culpa é dele. Do seu mal exemplo. O Sol...Grande coisa!!!!
Ela agora entra no assunto, mas tenta rebater os argumentos dele.

- Olha, acho que você, um rapaz tão moço, ainda não devia se preocupar tanto com a solidão. A gente só é sozinho quando quer. Veja meu caso....

- Justamente – interrompe o louco. O seu caso. É um caso típico de solidão não assumida. A senhora já pensou no quanto é sozinha?

- Eu?! Sozinha? Não. Você está enganado. Tenho meus filhos, meus netos. Meu marido não tenho mais, porque Deus levou, mas enquanto ele viveu fomos muito felizes.

Sempre fui muito amada. Não. Eu, sozinha, não. Os meus filhos, meus netos. Não.
Neste meio tempo, o sol que estava escondido por umas nuvens reaparece e o louco tem uma crise. Começa a gritar.

- Prendam-no! Prendam-no! Guardas, venham todos prendê-lo. Ele é o culpado deste crime terrível. É um mal exemplo.

As crianças não devem vê-lo mais. O mundo não pode continuar sendo um ninho de solidão.

Atirou-se no chão e continuou gritando, até que chegaram alguns atendentes do hospital e o levaram de volta. A mulher ficou estática durante algum tempo e depois seguiu para sua casa. Quando chegou, seu genro estava no portão e veio encontrá-la gritando.

- D. Maria, eu já falei pra Beti que nem pra ir no mercado a senhora presta mais. Demora duas horas. Não adianta, lugar de velho é dentro de casa.

A filha dela sai e continua o que o marido tinha começara.

- Será possível mãe? Faz um tempo enorme que estou esperando as comprar para fazer o jantar. O Carlos precisa sair. Será que a senhora só serve pra comer, dormir e fazer crochê?

Ela ouve tudo calada. Entra em casa. Senta no sofá da sala. Eles continuam a reclamar, até que ela interrompe.

- Vocês sabem quem é o responsável pela solidão do mundo?

- Que é isso mãe isso é hora de falar em solidão?

Ela abaixa a cabeça e responde – como quem aprendeu mais alguma coisa.

- Solidão não tem hora, aparece...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dor e Prazer: o Parto do Livro


A temática não é novidade, nos meus escritos. Há tempos escrevo sobre dor e prazer no processo de escrita. Essa é a temática da minha tese na USP, que me rendeu o título de doutora em Ciências da Comunicação. Quer dizer, é uma das coisas sobre as quais eu mais entendo. O que há de novo, então? De novo, o meu novo livro: Faço Parte! 30 anos. Histórias e Personagens do Sindicato dos Comerciários de Carazinho e Região. Um livro lindo, um livro realmente com muita história, com muitos personagens. Ele é resultado de um trabalho de quase nove meses, por coincidência ou não. Combina com a minha tese de que escrever um livro, uma obra como essas é quase como gerar um filho. As semelhanças são realmente muitas, sem dúvida.

Talvez, justamente por isso, eu esteja ainda sentindo as ‘dores do parto’. Sim, ele já nasceu. Está lindo, lindo, embora pouca gente o tenha visto. Ficou no ‘hospital-gráfica-encubadora’. Está sendo preparado para sair e ganhar o mundo. Um espetáculo a gestação e o nascimento de um livro. Só quem participa de um processo como esse, de forma dedicada, de imersão quase total, em vários períodos, reconhecendo a poética da combinação de tantas vidas, de tantas existências ali, consegue ter a dimensão do que estou dizendo.

Há também a questão técnica. O refinamento buscado em cada parte. Eu costumo dizer para meus alunos: “Em Comunicação, nada é detalhe! Tudo é fundamental!”. Então, chego a ser chata, meticulosa.Ali, no livro, nada é por acaso. Tudo foi pensado. Muito pensado. Muito mesmo. Provavelmente é por isso que minha cabeça esteja para estourar, desde ontem, quando deixei o livro na gráfica. Devem ser as ‘dores do parto do livro’. Eu estou toda doída e (mais que o normal) com a emoção alterada por vê-lo, assim, nascendo, com capa e tudo, as 152 páginas de cuidado. Bem, imagino que você deve estar pensando: ‘a Malu com emoção alterada mais que o normal.. isso é nitroglicerina pura! Vai explodir o mundo de emoção, então. Não sei o mundo. Espero que minha cabeça não estoure...tenho dúvidas!

A história desse livro é a do Sindicato dos Comerciários de Carazinho e Região e, de certa forma, é a minha própria história de jornalista ligada ao movimento sindical. Penso que resgatei a jornalista Maluca, em mim. Sim, eu sou jornalista de nascença. Sim, eu sou jornalista como matriz profissional. Amo esse meu ofício e tenho, sim, esse jeito jornalista de ser. Isso me põe Maluca na produção, acelerada e inquieta. Isso me dá uma força e uma aceleração de quem vibra com o que faz e sabe que, a qualquer momento, vai ser chamada para entrar ‘ao vivo’, porque é de vida que o jornalista se nutre. Vida dos outros. Nossa própria vida. Viva!!! Eu escrevi um artigo ano passado chamado Jornalismo Amoroso: Quem quer (a)provar? E exercitei a prática de Jornalismo e Amorosidade, na produção do livro.. muito.. muito...

Eu também entendi, mais que nunca, que meu ofício é contar histórias, as minhas e as suas, de cada um, de cada pessoa que se dispuser a me contar um belo causo. Os comerciários me receberam com um carinho sem par. Abriram o coração. Me receberam com alegria. Fui tudo sempre intenso e amoroso. Amizade verdadeira. Eu já chorei muito e sei que ainda vou chorar muito mais, com as lembranças desse tempo, desses quase nove meses de idas e vindas a Carazinho, dos encontros com a simplicidade e autenticidade de pessoas que vivem em um outro ritmo. Sim, eu sou apaixonada por eles. Sim, eu sou muito grata pela oportunidade que Deus me deu.

Quando iniciei ou trabalho, em julho do ano passado, eu estava vivendo um momento ainda muito doído, por conta de um problema pessoal de grande porte. Dores imensas, profundas, a vida em frangalhos, me esforçando para seguir adiante, continuar trabalhando, continuar tocando minha família, minha vida. O convite para o livro me mobilizou imediatamente, me deu alegria e as viagens praticamente semanais foram me ‘tratando’. A cada semana, chegar em Carazinho, encontrar a paz da cidade pequena, a praça, os amigos do Hotel San Remo, até a briga com os taxistas da cidade (bah... os taxistas da rodoviária são impossíveis, na sua maioria, eles não querem ligar o taxímetro. Semanalmente eu armava um briga, denunciei na prefeitura, reclamei... será que os caras não entendem que sou italiana e que não aceito pagar a mais, pelo que não é justo?), tudo foi montando uma rotina de vida ali...tudo foi montando a minha história em Carazinho.

Houve uma vez, logo no início, em que fui ao supermercado comprar lanche para a noite. Eu almoçava sempre no restaurante ao lado do Sindicato e à noite comprava uma fruta, iogurte, para um lanche rápido. Então, ao me dirigir ao supermercado, fiquei pensando o que comprar e me dei conta que, nos últimos anos, não tive muitas oportunidades de me preocupar com o que euzinha da Silva, quer dizer euzinha Cardinale Baptista queria comer. Na lida com os filhos, no meu jeito de mãe Malu eu acabo pensando em comprar isso pra um, isso pra outro.. aquilo pra outro... vou optando pelo gosto dos meus filhos... sem perceber. Mas ali, não, era só eu comigo mesma. Tinha que escolher lanche pra mim mesma, acho que pra menina Luiza. Então, de certa forma, Carazinho me presenteou comigo mesma.

Nas viagens, sem poder ler, eu pensava e organizava minha cabeça, olhando o verde, o sol, a noite...dormia e organizava os sonhos, sonhando meus sonhos mais sonhados... relembrando sonhos de antigamente, reafirmando outros que, teimosos, insistem em não se desgrudar de mim. Sonhos que se cristalizaram com o tempo no inconsciente e, vindos para a consciência, se transformaram em desejos. Eu tenho ainda, em mim, acionada a metralhadora de desejos de vida e sei bem para onde eles disparam. Nas viagens, retomei a clareza dos rumos dos investimentos desejantes e fui deixando que Deus me mostrasse, através dessa escrita outra, de vida, da minha vida, os caminhos a serem trilhados. Quero crer que estou na direção certa. Ainda não sei como Carazinho vai continuar entrando ‘nessa (minha) história’, mas quero muito descobrir...porque eu sei que a história não termina aqui. Pretendo seguir com as ‘rodas de amizade’, mas isso já é assunto para um outro texto...

Os últimos dias foram de dores mais intensas. Como numa gravidez biológica, foram dias e noites em que, ao se aproximar ‘a data de nascimento’, o filho esse não vai mais cabendo dentro da gente, vai se remexendo...e tudo dói. A emoção toda se altera e, mais sensíveis, nós, mães parideiras, sentimos a força da ambivalência materna que, ao mesmo tempo, quer que o filho nasça e nostalgicamente sente saudade do tempo da gestação (mesmo antes dele terminar), porque, nesse tempo, o filho (filho filho e filho livro), dentro de nós, ainda em produção, era só nosso. Mas filhos e livros são produzidos para ganharem o mundo. Assim está acontecendo com o meu “Faço Parte! 30 anos”... Dia 12 de março, será o lançamento oficial, em Carazinho, a apresentação pública, pela primeira vez.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tontice de Nascença


Uma das coisas que acontece é que não gosto que me façam de tonta, ou que pensem que estão me fazendo de tonta, porque, de tonta mesmo, eu tenho alguns traços, mas são raros. E mesmo esses traços são meus, assumidos, não é que alguém, fora de mim, tenha condições de provocar a minha tontice interna. Não. Eu já tenho isso instalado, configurado de nascença. Natural. Tontice de fábrica, digamos assim. Todo mundo tem um pouco. Até quem não se dá conta. Tem gente que pensa que não tem nada de tonto. Esses são os mais tontos. Esses aí às vezes perdem grandes oportunidades, empregos, projetos, amores, só porque não querem parecer tontos. Tontos!

Parece que à medida que nos relacionamos vamos ficando mais ressabiados com o risco que temos de nos tornarmos ‘tontos’ para os outros. Bobagem. Ser um pouco tonto, em algumas situações, por amor, por medo, por ansiedade ou qualquer outro sentimento humano é quase uma predestinação. É daquelas coisas que, quanto mais se teme, mais acontecem. Então, melhor relaxar. Deveria, inclusive existir um verbo. Não, eu sei. Existe o verbo tontear, mas não é disso que estou falando. Proponho, então, a criação do verbo ‘atontecer’, cujo significado seria ‘acontecer tonto ou tonta’. Assim: eu atonteço, tu atontece, ele atontece, nós atontecemos, vós atonteceis, eles atontecem. Pra mim, está bem, Infelizmente, eu ‘atonteço’ mais que gostaria, embora, como disse, esse ‘atontecimento’ seja produzido a partir de uma mobilização interna. Quer dizer, é acionado por mim mesma.

Claro que tenho tentado desconfigurar esse ‘programa interno’ de ‘atontecimento, mas isso não é nada fácil. Parece algo semelhante àqueles programas de acesso à internet, que recebíamos em casa, há algum tempo. Quem era louco de acreditar, instalava aquilo e depois morria tentando desinstalar. Bem.. eu não tenho como morrer, já expliquei isso em outro texto.... Então, sigo....tonta, mas por conta própria.

O chato mesmo é olhar em volta e perceber o quanto as pessoas se divertem, têm prazer, em achar que estão fazendo a gente de tonta. Acham que conseguem ‘enrolar’, acham que a gente não percebe. Putz! Eu fico realmente furiosa com isso. Ainda mais porque sei a minha mobilização para as pessoas, a minha orientação de acolhimento, de afeto verdadeiro, genuíno, de cuidado mútuo. Então, olhar para as cenas e entender, pelo detalhe, pela minúcia, que, por dentro, a pessoa está tentando te botar numa situação de ‘atontecimento’, pelo simples e bel prazer de tirar uma ‘vantagenzinha’. Mais doído ainda é quando acontece com alguém que a gente gosta.

Uma vez, uma pessoa me disse o seguinte: “Eu tenho uma arma contra você! O teu sentimento. Você gosta tanto de mim, que eu consigo tudo o que quero. Você não faz nada.” Era uma pessoa doente, que eu realmente amava muito (e ainda amo, em certo sentido). Tive que aprender a me defender ‘do meu próprio sentimento’, fortalecer o ‘eixo’ de mim mesma, para que essa pessoa fosse colocada no seu lugar, longe de mim, apesar do meu amor. Tive que aprender a abrir mão e a deixar claro que, na lista de prioridades, eu não estou no fim da fila. Fiz isso, continuo fazendo. Reconheço, no entanto, que algo de razão essa criatura tinha. Meu amor desmesurado, esse jeito de amor derramado, de entrega intensa, tem, por característica, me trazer problemas. Muita gente não valoriza isso e, mais, ao ser dar conta que está no terreno do substrato amoroso, se sente à vontade para fazer o que quiser, tratar de qualquer maneira, ‘des-cuidar’, tentar fazer (de) tonta. Isso é grave, para mim, mas eu percebo que não é só para mim. É uma pena!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Leoa furiosa: Não se aproxime!


Hoje é um daqueles dias que tenho que tomar cuidado para não jogar tudo fora. Mas tudo mesmo. Quando preciso de algum texto, abro com cuidado as pastas, porque a sensação é que se eu me deparar com alguns arquivos, em especial, vai tudo pra lixeira...

Sabe, eu sou uma pessoa otimista, procuro enfrentar tudo sempre, de peito aberto, com coragem, mas há dias que a gente cansa... Hoje é o meu dia de cansar. Mas eu, como leoa, me canso de um jeito diferente. Fico brava, quando me canso, parece que fico girando na jaula, de um lado pra outro, produzindo sons de fúria de leoa. Bem, não preciso dizer, a recomendação, nesses casos, é: “Não se aproxime!”.

Um ser como eu não nasceu pra ficar quieta, parada, esperando, passivamente, que os outros seres se movimentem na floresta e façam sua parte. Eu quero estar junto. Na lida. Na linha de frente, participando, de alguma forma. Tá. Eu sei, isso é traço de controladora... mas também é de amiga, de gente que se entrega pra o que tem que ser feito. Às vezes, fico pensando que sou um ser antissocial, porque, se não tenho paciência para esperar que as criaturas outras se movimentem, é porque eu quero que se movimentem no ritmo que eu quero... bah... profissionalmente é de enlouquecer isso...pessoalmente também...

Gestão de pessoas, conviver, entender que o movimento não é só nosso, que dependemos (sempre dependemos) de muitas outras pessoas. Não há como fazer as coisas sozinho. Não há como ser feliz sozinho. Depois, reflito melhor, penso que não é tão dramático. Afinal, acho que pra antissocial eu não sirvo...sou educadora, empresária, estou rodeada de pessoas, amorosamente, em todos os sentidos. Não tenho do que reclamar, geralmente, só às vezes.

Tenho claro que minha impaciência com as pessoas é algo que está errado em mim. Então, tento me corrigir. Calmamente me convenço que cada um tem seu ritmo, que as pessoas têm outras ocupações, preocupações, que tal e tal e não sei quê.. mas quando vejo o tempo passando e as coisas não ficando prontas, como deveriam estar... Quando depois me dizem: “Ah, mas isso.. Ah.. mas aquilo”, tentando disparar a metralhadora de culpas ou ganhar tempo... eu penso que é melhor não falar nada. Se eu falar, vou brigar. Se não quero brigar.. não digo nada. Então, por outro lado, fico pensando, neste caso, que se eu não estou falando mais é porque já estou desistindo.

Na verdade, eu sou uma criatura muito brava. Minhas crianças dizem, umas para as outras: “Se você fizer isso, vai enfrentar fúria de Malu!”. Não é recomendável. Da série: Ministério da Saúde adverte: Fúria da Malu faz mal à saúde! Lógico, tento conter.. brinco... abstraio.. me concentro...mas chega um ponto que eu também desisto. Certo, esse ponto demora a chegar, porque minha amorosidade extrema faz com que eu persista calmamente, tente librianamente, de todas as maneiras, manter as histórias, profissionais e pessoais. Exercito isso, evito demitir, evito romper, evito terminar histórias. Tento aceitar as pessoas como são, na convivência, honrando o amor, a amorosidade, lembram? Faço isso na gestão profissional e das relações pessoais. Às vezes, fico em dúvida, penso que demoro mais do que deveria...mas é o meu jeito. Ajuda a ficar tranquila, depois, quando eu penso que fui até as últimas consequências. Só desisto, quando entendo que ‘é impossível’ continuar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Encontro de leoas 4: a leoa e a 'leoazinha'



Maria Luiza: Eu achei, sinceramente, que, na dureza desses tempos, na turbulência do cotidiano, como diria o Skank, você não apareceria.

Luiza: Estou sempre aqui. A senhora bem sabe. Eu e a Malu tomamos as grandes decisões, sempre, enquanto a senhora discursa.

Maria Luiza: Mas olha só, a 'leoazinha' apareceu e apareceu valente. Isso hoje. Ontem estava aos prantos, com o final do livro que estamos escrevendo para o Sindicato dos Comerciários de Carazinho.

Luiza: Aos prantos, não. Estava emocionada, é diferente. A senhora também deveria estar, depois de tanto trabalho, ao reler o último texto, em que nos despedimos dos leitores e agradecemos a amizade de todos. Emoção por tudo, pelas pessoas, pelo carinho, pelo amor envolvido, pelo trabalho de Jornalismo da Malu, as idas e vindas a Carazinho, as viagens... eu me emociono.

Maria Luiza: eu sei de tudo isso. Só eu sei bem de tudo. Não fosse você e a Malu e esse raio de emoção derramada as coisas seriam mais fáceis. Será que vocês nunca vão aprender a fazer as coisas sem se emocionar tanto? Vocês vieram com defeito de fabricação instalado. São descompensadas emocionalmente. Você, então, nem se fala... vive sempre no limite da poética da existência. A Malu, ao menos, é impulsiva, e isso, às vezes ajuda (atenção, eu disse às vezes, que ela não me escute).

Luiza: Bem, defeito por defeito, eu prefiro os meus. É melhor do que o seu, nesse jeito prático de encarar a realidade o tempo todo, de tentar enxergar tudo às claras, sua obsessão pelo real, o real. Mas que real? Eu cresci acordando de madrugada para ler histórias e já chorava e sofria com os personagens. A ficção já era parte da minha vida...agora vou ter que viver tudo no real?..Isso é impossível. De certa forma, eu sei que sou um ser da ficção.

Eu não sei de onde a senhora arruma tanta frieza, para tantas vezes, só virar as costas e seguir adiante, ir embora, pisando firme. Faz cara de brava e vai em frente, enquanto eu fico me demolindo aqui dentro.

Maria Luiza: Eu sofro também, mas de nada adianta. Sou descendente de gente que atravessou o mar para buscar uma nova vida, para reinventar a Itália, aqui nessas bandas. Gente que aprendeu a engolir o choro porque ninguém valoriza quem chora. Eu
não tenho tempo para me derramar em lágrimas. sou uma pessoa que não tenho tempo para adoecer nem para falecer.

Uma vez, atendi uma ligação de um vendedor de seguros de vida. Achei graça até. O rapaz, com uma conversa típica de telemarketing, queria de todas as maneiras me convencer a comprar um seguro de vida. Eu o indaguei: mas pra quê? Você não tem noção. Uma pessoa como eu tem estabilidade na vida. Mãe de quatro filhos, divorciada, microempresária, educadora, jornalista. Como é que vou morrer? Tá doido?

Ele não aceitava muito. Tentou argumentar que ninguém sabe o que vai acontecer, que ninguém prevê o futuro. Eu respondi: 'Mas é uma questão de lógica! Vivo movida pelo jornalismo (da tal Malu aquela que você conhece). Como empresária, também vivo de informação e intuição. Não há, no cenário, digamos assim, nenhum indício de falecimento da Malu, nem meu, nem de você ou da Cardinale e as outras. Sei lá... se o resultado é bom eu não sei, mas que eu tenho um monte de tarefas.. .ah isso eu tenho...então não tem lógica. Aquele Senhor que tudo comanda não vai me tirar daqui tão cedo. A lista que ele me deu é imensa. Então, eu sigo tentando.

Luiza: Então aproveita...

Maria Luiza: Claro... claro.Agora conta a do papagaio que essa é muito boa. Quem aproveita é a Malu, que sai fazendo o que lhe dá na telha. E depois pergunta: o que deu errado? Mas não era verdade? (quando pergunta, porque aquela lá é a empáfia pura...vive se quebrando e acha que está certa ainda, a apaixonada por natureza, criatura desmedida). Eu tenho é que apagar os incêndios que ela arma, reacende - a tonta - e conter as enchentes que você produz, quando você desagua.

Luiza: (olhando pela janela do ônibus) Olha que bonita a serra gaúcha! Estamos indo a Caxias, para iniciar um projeto novo de trabalho. Nem tudo vai ser como eu queria, mas penso que vai ser lindo... a vida mudando, o movimento... a estrada...recomeço, ainda que diferente do que pensamos..recomeço.

Maria Luiza: (pensando) Pronto. Começou o delírio. Ela já se soltou na linha da poética da existência. Melhor não dar corda. Fazer de conta que não percebo. Luiza é assim. Se eu der bronca e largar umas verdades 'verdadeiras'...ela desaba no choro e aí vai o dia inteiro. Melhor não falar nada. É uma questão de custo-benefício. Vou continuar listando as tarefas e fazendo alguns contatos pelo celular. Daqui a pouco estaremos em Caxias e tenho o dia cheio.

Maria Luiza: Tá. Então tá.. é sim.. tudo lindo (melhor não contrariar). Depois falamos mais.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Encontro de leoas3



Malu: E então? Dona Maria Luiza, o que me diz do rumo dos acontecimentos?

Maria Luiza: Hum, se você vem puxar assunto é porque tem carta na manga...tá o que você quer? Já sabe que não ando lá com o humor em alta... só aquele natural de instinto de sobrevivência. Então desembucha!

Malu: É que eu acho uma graça, a senhora andando de ‘coleira’ por aí, nesse calor.

Maria Luiza: Isso não é uma coleira, é um colar para a coluna. De vez em quando eu preciso, em tempos de ‘muuuittta tranquilidade’...período que é praticamente um ‘spa’(tifei) na curva, digamos assim. Uma delícia....realmente... meu sonho de criança....

Malu: Então, se me ouvisse mais... não precisaria viver de ironia.

Maria Luiza: Se te ouviiiissseeee mais?!? Ah tá, agora você pirou de vez. Se eu te ouvisse mais aí eu estaria internada ou no fundo do rio. Digamos que eu sobrevivo a você. É o máximo que consigo...Por enquanto só estou com um colar para a coluna. Se você continuar agindo daqui a pouco vou me amarrar... bem, você sabe, isso já aconteceu uma vez.

Malu: Sim, risos.. patético.. estávamos indo para a Unisinos. De trem. No estilo de sempre...Malu Maria Luiza e seus lenços italianos e bolsas atravessadas, mais pastas com materiais dos alunos.. mais sacolas com compras no centro. Passamos para comprar o nosso perfume aquele, que não revelamos o nome nem sob tortura. Aquele que é a marca da Malu.

Maria Luiza: Minha marca também, minha cara.. minha também...perfume francês dos melhores.

Malu: Claro, claro, ainda não chegamos ao ponto de conseguir diferenciar os eus através dos perfumes. Além disso, talvez seja um dos únicos pontos em que concordamos...o perfume esse.

Maria Luiza: Sim, porque no restante não dá pra chegar a um acordo contigo...

Malu: Tá não começa reclamar.. mas aí...entramos no trem, lotado, como sempre. Sentamos depois de um tempo e quando chegamos na estação da Unisinos.. pimba! Era tanta coisa...lenço, pasta, sacola e tudo.. que tínhamos nos amarrado... os braços estavam presos. Você, ‘sensata como sempre’ optou por levantar, como se nada tivesse acontecido. Claro, ninguém ia pensar que uma criatura tinha conseguido amarrar a si própria com lenços e bolsas. Saímos e, depois, encostadas num pilar... fomos, discretamente, desatando os nós de nós mesmas (os que podiam ser desatados, é lógico, porque os internos.. ah.. esses são mais complexos)....Hilário. Conclusão óbvia: por isso eu tenho uma coleção de lenços italianos. Em casos de muuuuitttaaa loucura, extrema mesmo, você pode me amarrar.

Maria Luiza: Sim, então, vou te amarrar todos os dias, de manhã bem cedo. Hum.. será que também dá pra amarrar cérebro? Assim você não teria mais essas ideias malucas que tem.. e me deixaria planejar a vida mais serenamente, mais racionalmente, apenas orientada pelo motor operacional.

Malu: Ah... sei. E você acha que ia ser feliz assim? Sem minhas maluquices?

Maria Luiza: Não, penso que não. Mas a vida seria mais calma, sem tantos sobressaltos... eu estou buscando paz no coração e você é um vulcão! Não combina. Eu tenho que focar no trabalho e você vive de amorosidades...vive rodeada.

Malu: Vivo rodeada, não. Você sabe que tenho foco, nesses assuntos. São amorosidades diferentes. Nem vem...

Maria Luiza: Bah.. quando escolhe um foco, aí é pior... vamos deixar pra outro dia a sequência da conversa. Agora chegou num ponto em que não há acordo messsssmooooo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Óculos são seres sensíveis!



Meus óculos são seres sensíveis. Acordaram ontem em crise. Uma das lentes estava se soltando... Uma crise existencial, imagino. Não sei se porque os encontrei jogados em meio à roupa de cama. Muitas vezes, quando estou sozinha, acabo adormecendo de óculos. Já pensei nisso. Acho que fico com medo de não enxergar bem nos sonhos. Sério. Fico com a sensação de que, se dormir sem óculos, vou sonhar ‘sem óculos’ também. Bobagem, com óculos também não enxergo. Tanta coisa que me passa batido no dia a dia. A imagem. O olhar. Os espelhos humanos. Essas são questões muito caras pra mim, muito especiais, mas, ao mesmo tempo, sempre armadilhas humanas, justamente porque têm um vínculo direto com o mundo dos afetos.

A imagem pode ser pensada como composto de características visuais, na sua dimensão mais técnica, mas prática, mais concreta. Muito além disso, o plano de significação se constitui na trama afetiva que os feixes informacionais dessa imagem constituem. A trama dos afetos, do que afeta o sujeito ‘olhador’, para citar a expressão de Marcel Duchamp. Aí, pra variar, a coisa complica. Na USP, em disciplinas com Eduardo Peñuela Canizal, um dos meus mais queridos gurus intelectuais, eu tive contato com a poética das mensagens não verbais e a ilusão especular e o mito de narciso, em dois momentos do mestrado e doutorado que considero momentos ímpares. Entre tanta coisa que aprendi, refletindo sobre imagens e suas significações, uma delas tem significado especial: na imagem, a não nitidez remete o sujeito ao inconsciente. O que não é totalmente nítido, gestaltico, insinua e aciona instâncias internas do plano dos afetos do sujeito receptor, provocando sensações que interferem na significação da imagem.

Assim, se a não nitidez remete o sujeito ao mundo do inconsciente, entendi também que existe toda uma lógica no fato de que sou muuuuiitttooo míope. Então, pensem o que quiserem, em mim, até a miopia é conceitual, tem uma consistência conceitual, que é coerente com essa minha tendência ao abstrato. Não teria lógica que eu enxergasse tudo nítido. Não é da minha natureza. Claro que às vezes exagero e ponho lentes muito particulares, especiais, que encantam as cenas. Faço de uma cena simples ou fala espontânea, por força do momento, um ‘episódio existencial’. A fala aciona uma trilha de sentimentos, que provoca um fio narrativo. Talvez por isso também trabalhe com publicidade. Um filtro de água é um filtro de água, tem suas funções de filtro de água e tal... características técnicas. Segundo a publicidade, um filtro de água representa o carinho que você tem pelos seus filhos, o cuidado com a saúde deles. Sua preocupação com qualidade de vida. Enfim, a publicidade põe as lentes do valor emocional agregado e isso gera um certo encantamento pela coisa publicizada.

Por sorte, também tenho minhas zonas de nitidez. Meu motor prático operacional acionado que me faz voltar ao prumo, meu lado empresária e de planejamento. Então, entendendo que andei me descuidando com as imagens, me soltando muito no mundo do inconsciente, fui ao oculista. Bingo. Meus óculos estão fracos. Óbvio, como eu deixei isso acontecer? Como deixei tanto tempo sem renovar? Talvez seja minha meninice arraigada e a ideia (ilusão) de que o mundo do inconsciente pode trazer de volta alguma coisa perdida, uma cena. Não pode. Mundo inconsciente é como mundo virtual. Simula, provoca, insinua, mas não entrega. Então, na imagem e na vida, penso que é importante combinar. Não dá pra viver só um ou outro. Por via das dúvidas, já encomendei óculos novos... talvez isso ajude alguma coisa...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ninguém tem paciência com o jovem adulto!


Eu tenho dito que um dos problemas do jovem adulto é que ele tem uma metralhadora de desejos dentro de si. É semelhante ao que ocorre na adolescência, com a diferença de que, como diria o Chaves, ‘com o jovem adulto, ninguém tem paciência!’. A adolescência é publicamente reconhecida como uma fase de encrencas, de explosão do sujeito dentro de si mesmo. Então, uma certa revolta ou uma revolta inteira são comportamentos esperados (‘be suppose’ – é esperado que o adolescente tenha certa quantidade de ‘pitis’ e seja indeciso, inseguro, arrogante, petulante, dependente querendo demonstrar o contrário, enfim, um poço de contradições (na verdade, como observam, é um ensaio para ser adulto, as contradições permanecem, por bom tempo e há pessoas em que elas não passam).

Só que o jovem adulto tem tudo isso, com o agravante de que a sociedade e a família já ‘esperam’ uma outra configuração existencial. Ele ainda tem, em si, a metralhadora de desejos, a insegurança, é marcado pela autoestima sempre em xeque (por isso, precisa o tempo todo demonstrar que pode, o tempo todo provar pra si e para os outros que está bem, que ‘é o cara’ ou ‘a guria’. Por isso também, às vezes, não consegue escolher com quem ‘ficar’). O jovem adulto é cobrado, é muito cobrado. Tem que começar a apresentar resultados, para uma sociedade pautada pela produção. Quem está em volta começa a olhar.. meio que perguntando: e aí? Quando vai começar a trabalhar? Se namora, ele é cobrado porque namora, supostamente perdendo tempo que deveria usar para estudar e se preparar para ‘um futuro melhor’ ou para se dedicar ao trabalho...com a mesma lógica. Se não namora, também é criticado, porque ‘é esquisito’, porque não se fixa... porque vive perdendo tempo com amigos ou amigas que não querem nada com nada... enfim... jovem adulto é cobrado a se tornar adulto logo, assumir responsabilidades, partilhar afazeres, começar a cuidar dos mais velhos.

Se uma tia fica doente, o jovem adulto é chamado a ficar no hospital. Afinal, é jovem...e adulto..e supostamente.. não tem muito o que fazer, mas precisa se comprometer com a família. Precisa, verdadeiramente precisa. Chega um tempo que tios e pais vão cobrar os cuidados. Você vai ter que se apresentar e fazer a sua parte. Vai ter que aprender a abrir mão dos seus tempos, do seu planejamento, porque faz parte das suas tarefas, já faz, ser cuidador de quem te cuidou. É assim.

Houve um momento, em que um dos meus amores do tempo do hospital psiquiátrico, me disse, que ia embora, que voltaria para São Paulo, porque a família dele estava precisando que ele voltasse. Ele se especializou em tratamento de pacientes alcoolistas e tinha um alcoolista na família. Tinha certeza que podia ajudar. Eu até que tentei dissuadi-lo, explicando que, na família, somos família, não somos técnicos, especializados em Psiquiatria, com formação para tratar alcoolistas. Somos filho, cunhado, irmão... enfim.. não adiantou. Ele se foi embora e, um tempo depois, me ligou dizendo que o caso do cunhado dele era muito complicado, que ninguém na família o ouvia, que ele não conseguia ajudar. Quer dizer, não adiantou. Nós nos perdemos, mas ele fez o que sentiu que tinha que ser feito. Jovem adulto se iniciando na lida de cuidador.

Grande parte da minha vida eu passo às voltas com jovens adultos, os alunos, sujeitos que têm me dado muitas ‘alegrias’, que me ajudam a reinventar a vida, reinventar a Malu, questionar, pra quem eu dedico boa parte do meu tempo, pensando em como criar situações agradáveis de ensino-aprendizagem. Gosto disso. Amo. Penso que o que me ajuda na relação com eles é a combinação entre a minha maluquice e a minha marca materna, de mãe italiana. Vejo que muitas vezes consigo surpreendê-los. Outras, são eles que me surpreendem. Muitas. Maravilhosas vezes. Sinto também que temos uma relação cúmplice de acolhimento mútuo, de cuidado.

Percebo que a desorientação do jovem adulto é algo que inspira cuidados, que desafia pais e educadores a estarmos juntos com eles, em parceria, entendendo que a preparação para a vida ainda é ‘em caráter precário’. Às vezes, tenho a impressão que os pais querem que o jovem adulto tenha a compreensão da vida e atitudes de acordo com o amadurecimento que adquirimos, a duras penas, sofrendo na pele, as agruras, os contratempos, as consequências dos nossos atos, muitos, errados, atrapalhados. O jovem adulto tem tamanho, tem aparência de adulto adulto, mas está mais para adolescente que adulto. Indeciso, ele oscila. Seus humores também ‘batem no teto’ todos os dias...e os atiram ao penhasco da existência, muitas vezes. Ser jovem adulto não é fácil. Principalmente porque ninguém tem paciência com ele.

Bem...eu às vezes fico pensando nisso e, depois, rio sozinha, quando me vem a frase, trágica para os jovens adultos: ‘Olha, não sei se te consola, mas a tendência é piorar’. A vida do ‘adulto adulto’ essa, sim, é de arrepiar os cabelos (bem, os meus já são suficientemente arrepiados.. não faz diferença)...mas deixa pra lá.. cada coisa tem seu tempo. A gente vai vivendo, vai fazendo, vai tentando acertar. Estamos juntos...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tempos de Maluca


Eu trabalhei um tempo em um hospital psiquiátrico. Às vezes, penso que foi um estágio para ser jornalista, radialista, empresária da Comunicação, educadora, pesquisadora, mãe, mulher e tantas outras ‘utilidades’, digamos assim, que vou assumindo no cotidiano. Tudo fica ainda mais complexo, quando penso nas atividades e emoções que envolvem cada uma dessas perpectivas de ação. Pra mim, é tudo muito. Muita coisa para fazer. Muita conta pra pagar. Muito amor pra dar. Muitos filhos pra criar. Muitos amores... na vida. Um pouco de cada vez... de diferentes tipos, bem entendido.

Nessa minha tendência ao roteiro existencial, tenho a impressão de que inventei, pra mim, um papel de de super-heroína. Certo, super-heroína ‘à moda da casa’, sem grandes feitos, sem notoriedade, incógnita e tantas vezes não reconhecida. Uma heroína meio ‘macarrônica’, que se atrapalha nas cenas mais simples, principalmente as que gosta mais, as que gostaria ficassem impecáveis. É mais ou menos o que acontece quando a gente resolve fazer uma nossa receita especial, mas fácil de fazer, para uma visita importante. Caprichamos, caprichamos, mas, ódio, nem sempre dá certo, por incrível que pareça. Eu, na minha função de heroína do cotidiano, sou um pouco assim...me ‘apateto’, do verbo ‘apatetar-se’ – eu me apateto, tu te apatetas, ele se apateta...e assim vai.

A experiência, como um todo, no tal hospital psiquiátrico, é inefável, ‘indizível’, é muita coisa. Alguns episódios, no entanto, são inesquecíveis. Ali eu conheci dois dos grandes amores da minha vida. Bem, em se tratando de mim.. normal...conhecer amores em um hospital psiquiátrico; um só, seria ‘quase normal’. Não é o meu caso. Não, eles não eram pacientes. Eram enfermeiros. Queridos, queridos. Lindos, cada um no seu estilo. Os dois tímidos e malandros. Apaixonadamente tímidos. Na deles. Deliciosamente malandros. Havia uma proibição de relacionamentos amorosos entre os funcionários da tal clínica. Nós obedecíamos. Ali dentro. Ninguém sabia nunca de nada. Ninguém podia saber. Os dois nunca souberam, um do outro – até este texto, pelo menos.

Digamos que, em certo sentido, eu fui fiel. Eram histórias que não poderiam ser, que não poderiam existir e assim foram. Não existiram, em público. Já ouvi dizer que o que não se publica não existe. Então, vale para a ocasião. Só existem a partir de agora. Mas agora são histórias que prescreveram...o Direito deve prever isso também. Tempo de prescrição para histórias amorosas. Não posso ser mais punida. Bem, eu tenho que fazer a ressalva: era um outro tempo, eu era muito jovem e tinha muitas dúvidas – hoje também tenho, mas não com relação a quem amo...ufa! Alguma coisa, aprendi. Hoje conheço bem os meus quereres. Não resolve muito, mas conheço.

Bem, desculpas dadas, para o comportamento pouco recomendável – esse apaixonamento desmedido de jovem adulta (vem aí um texto sobre isso, sobre essa fase.. aguardem). Paciência. Mas, no hospital esse, vivi momentos importantes para a minha vida, além de conhecer esses dois lindos rapazes. Os pacientes me ensinaram muito. O ambiente, o desafio de (tentar) manter a lucidez e consciência em ambiente tenso, carregado de ‘derrames’ do inconsciente. Sim, porque, depois de dois anos trabalhando ali, eu entendi, claramente, que a grande diferença entre os sujeitos de fora e os de dentro é que, nós-de-fora, ainda conseguimos conter parcialmente o inconsciente e, na convivência, disfarçamos bem, ou mais ou menos bem, às vezes não tão bem assim. Foi isso que eu disse para uma senhora, que me perguntou se eu não tinha medo de conviver com os ‘loucos’. Aos poucos, eu fui entendendo que o pior é o preconceito. As pessoas, em geral, não se dão conta das próprias loucuras, aquelas situações do cotidiano em que parece que a vida (lúcida) se escapa e a gente fica à mercê dos fluxos abstratos, bem longe do controle racional. E isso ocorre com todo mundo, aqui fora e lá dentro.

Foi o que me alertou um paciente. Ele trabalhava comigo na recepção do hospital. Era uma atividade terapêutica. Ele solicitou ao médico AT-Recepção. Veio, agendou um horário fixo, para todas as semanas e estava, naquele dia, cumprindo seu ‘turno’. Era um paciente conhecido e sempre estava calmo. Aparentava ser uma pessoa muito calma. Eu não sabia porque ele estava internado. Não entendia. Não tinha nada de aparência de louco. Em um determinado momento, recebemos um outro paciente, que estava baixando, ingressando no hospital. Ele, como era de praxe, vinha acompanhado de três outros pacientes, que desempenhavam suas funções em outra atividade solicitada ao médico – Aréa de Recepção e Despedida (ARD).

O paciente que estava baixando era um velhinho impertinente e resmungão. Trazia duas sacolas (que eu tinha que revistar, para ver se não tinha algum objeto proibido). Uma delas tinha roupas. Tudo bem. A outra, remédios. Putz.. nada daquilo podia entrar. Eu, então, comecei a explicar para o paciente que ele não poderia levar os remédios para a Unidade Terapêutica, que eu os encaminharia para o médico e que somente o médico poderia receitar, anotar na planilha o que ele deveria ingerir. O velhinho foi ‘à loucura’, entrou em crise. Gritava, que eu o estava querendo matar, que eu era aliada da mulher dele... e mais um mundo de coisas. A cada caixa que eu retirava da sacola, para anotar o nome, ele soltava impropérios, xingamentos os mais diversos e ia explicando porque tinha que tomar o remédio. Eu, calmamente, explicava a mesma coisa, o encaminhamento dos remédios para o médico... etc.

Quando o paciente foi levado para a Unidade, eu me sentei, balancei a cabeça e proferi a fatídica frase do cotidiano ( que tantas vezes falamos sem pensar, sem considerar o que, realmente, estamos dizendo): “Esse senhor está louco de querer levar os remédios para a Unidade. Eu seria demitida...”. O outro paciente então, me interrompeu bruscamente, com a pergunta: “Onde você trabalha?”. A voz dele estava um pouco mudada, tinha um tom mais ríspido, severo, muito diferente do que eu estava acostumada ouvir dele. “Como?”, indaguei surpresa. “Onde você trabalha?”. Eu respondi, tentando ganhar tempo: “Seu fulano...lembra.. eu trabalho aqui, na recepção. O senhor está fazendo AT-Recepção. Lembra?”. Ele continuou com a expressão séria e insistia, repetia insistentemente a pergunta, falando cada vez mais alto: “Eu tô perguntando onde você trabalha? O nome do lugar?”. Quando eu, incrédula, com o aparente descontrole dele, disse o nome do hospital - bastante conhecido pelas suas características – ele respondeu: “Então, esse velho só pode ser doido, se está baixando aqui. O que você queria? E você, o que é?”. Bem, eu entendi o que ele dizia. O óbvio. De certa forma, por não cuidar o que dizia, diante de quem eu estava, com quem eu estava ao lado, eu também era um pouco doida. Não podia falar do paciente que estava baixando. Não podia reclamar dele.

A história me acompanha, desde então. Tento retomar sempre, para aprender de novo. Tentar entender o lugar do outro. Comprender o território em que estou produzindo meus textos de vida, minhas cenas existenciais. Depois de dois anos trabalhando no hospital, ‘pedi alta (demissão)’ e saí com código 4, que, na época, significava ‘quadro inalterado’.