domingo, 14 de maio de 2017

"Filho Rafael': menino do 'desenho no cartaz'


Hoje foi mais um Dia das Mães. Vivi, como é de costume, emocionada e reflexiva. Houve um tempo, na minha história de vida, em que decidi que seria uma mamma italiana. Entendi isso, como uma verdade, em mim, mesmo antes de conseguir ser mãe, de conseguir ser mãe adotiva e mãe biológica. Vivi também muitos Dias das mães sem filho, antes disso. Passei dez anos, tentando engravidar, lutando com um diagnóstico, ou vários... vários, até chegar em um deles, que se interpôs como se fosse uma fatalidade, para alguém tão amorosamente decidida a viver a maternagem...

Depois de dez anos de tentativas e exames e alarmes falsos, o médico me disse: “Não adianta, não adianta insistir. Você tem endometriose em grau severo. Não há como engravidar com esse quadro!” . Eu disse: “Dá.”. Ele respondeu: “Não dá, impossível. No teu caso, só um milagre!”. Eu retruquei: “Que seja, o senhor pode esperar. Eu vou engravidar, pelo ‘método tradicional’, pode acreditar. E, enquanto isso não acontecer, vou adotar crianças”. Foi assim que resolvi partir para adoção e tive os meus primeiros três filhos, até que um dia engravidei, biologicamente, da quarta filha.  O ‘milagre’ se fez e hoje tem 15 anos. Linda.

O traço de maternagem em mim tem sido uma imensidão de amor, uma avalanche de afeto de bem-querer-bem, que me mobiliza desde criança a ser cuidadora, amorosa, afetiva. Como eu disse uma vez, amor derramado, sem meias medidas. Talvez também por isso, até hoje, eu me lembre tanto do Rafael, um menino de uns seis sete anos, no máximo, que conheci de longe, numa situação muito forte. Vou contar agora.

Um dos meus filhos estava hospitalizado, o Dia das Mães se aproximava e eu pensava como seria difícil que ele não estivesse em casa. Para piorar a situação, a Clínica em que ele estava internado não permitia visita aos domingos, somente aos  sábados. Eu não me detive. Fui falar com um, com outro, até chegar no diretor e pedir a liberação da visita no Dia das Mães. Insisti, disse que não ia passar sem ver meu filho, que isso seria importante para ele também. Então me disseram que não poderia liberar a visita só pra mim. Aí eu disse: “Mas é claro! Liberem pra todas as mães! Não faz sentido!”. Bom, de tanto eu insistir, eles concordaram.

Chegou o domingo à tarde. Quando fui fazer a visita, havia uma fila, muitas outras mães felizes pela ‘decisão’ da clínica de liberar a visita no domingo. Era um acontecimento raro ali. Meu filho ficou muito feliz também e veio me encontrar com um cartaz na mão. Ele tinha feito um desenho para me homenagear, para expressar seu amor. Quando peguei a cartolina branca nas mãos, olhei e percebi que a folha estava dividida ao meio. Em uma parte havia um desenho, sim, de criança, em que podia perceber que eu havia sido desenhada com os outros manos. Na outra parte, havia alguns riscos dispersos. Não era possível identificar o que estava desenhado, mas se percebia que havia ali um esboço, não nítido. Não havia uma figura nítida....fiquei intrigada.

Perguntei, então, ao meu filho, o que significava aquela divisão. E por que, de um lado da folha, ele tinha feito aquele desenhos ‘diferentes’. Ele respondeu que aquela parte da folha não era dele, mas do Rafael, um outro menino que estava hospitalizado e que, ao saber da vinda das mães, como ele não tinha mãe, pediu emprestado ‘a mãe do meu filho’, no caso, eu, e um pedaço da folha de cartolina para ele fazer, pela primeira vez, um desenho para ‘uma mãe’. Meu filho disse: “Ele é meu amigo. Não tem mãe. Então me pediu para também fazer um desenho pra você!”. Bem, eu fiquei sem poder falar... emocionada, até o momento em que meu filho olhou para cima e viu o Rafael. Ele estava na parte superior da clínica, em uma mureta, acompanhado de um atendente. Olhava fixamente para nós, acompanhando o ‘momento da entrega do desenho’. Meu filho o apontou e disse: “É aquele, aquele é o Rafael!”. Eu me levantei, mostrei o cartaz e disse pra ele: “Rafael, querido. Muito obrigada. Eu adorei o desenho, é muito bonito! Adorei mesmo!”.

Bom, pensem  em um momento dramático. Lindo emocionante, de chorar. Os olhos do menino se iluminaram, ele abriu um sorriso imenso e dizia insistentemente para o atendente: “Tio, viu, ela é uma mãe, uma mãe de verdade. Ela gostou do meu desenho. Viu tio? Uma mãe de verdade gostou do meu desenho. Ela é uma mãe. Uma mãe de verdade”. Meu Deus, ainda hoje a expressão do rosto dele está na minha retina, nos meus olhos, no meu coração. Pensei muito no ‘meu filho Rafael’, o do desenho no cartaz, pensei também em todas as crianças que, como ele, vivem o Dia das Mães, em meio a toda a parafernália midiática, sem ter para quem doar um abraço, um traço, um desenho um afago e ter isso retribuído de alguma maneira. Pensei também nas mulheres que desejam viver a maternagem e não puderam, pelo aprisionamento de diagnósticos que sentenciam a impossibilidade.

Mais que nunca, entendo hoje que, apesar de todos os desafios imensos que a maternagem nos impõe, a opção vale muito a pena, quando é resultado de decisão profundamente sedimentada em afetos de bem-querer-bem consolidados. Nesse sentido, a adoção é uma linda possibilidade, tanto quanto a gravidez biológica. No cotidiano, não faz diferença, filho é filho, adotivo ou biológico. Eles vão se entrelaçando com a gente, tanto e imensamente, a tal ponto que vamos entendendo que sua presença nas nossas vidas faz parte de uma Escrita Maior.


Eu quero deixar aqui, meu imenso abraço para o ‘menino Rafael’, que, naquele dia, não pude abraçar, impedida pelas regras da clínica. Eu fiz o que eu pude. Tem sido assim, na minha vida. Eu faço o máximo que eu posso... para acolher, adotar e cuidar. Fica aqui o meu desejo de que ele tenha também conseguido uma mãe adotiva e que receba muitos abraços sempre. Que os anjos o protejam, assim como às outras crianças todas, em todos os dias!