quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Jabuticaba Morena


No bar da faculdade, eu saboreava lentamente meu tradicional pedido de fim de tarde: uma salada de frutas e um iorgurte de mel. Uma delícia. Por um instante, senti entre os gostos um sabor muito peculiar, particularmente especial, para mim. Sem pensar, perguntei ao aluno que me acompanhava: “Você sabe onde posso encontrar jabuticabas?” Ele, atônito com a pergunta que parecia surgir do nada, em meio às nossas conversas acadêmicas, respondeu lacônico: “N-não!”. Se você souber onde tem, você me avisa?”, indaguei. Mais um vez, titubeante: “Cl-aro.”Você não vai esquecer?”. Ele respondeu: “Lógico que não”.

Ele provavelmente não tenha entendido. É que jabuticaba é minha fruta preferida. Mais que isso, é minha fruta de infância, capaz de acionar lembranças tantas, de tempos em que vivi no interior de São Paulo, morando na casa dos meus avós, onde havia três pés desta fruta – um deles, meu avô me deu. Pra quem não conhece, posso dizer que é uma fruta redondinha e preta, que, quando você morde, faz ploc e se abre, derramando um líquido branco e viscoso...hum... uma delícia.

Cresci no interior de São Paulo, região noroeste do Estado, onde fica Guarantã, cidade em que nasci. Lá a produção de jabuticaba é farta. Em grande parte dos quintais da pequena cidade, há jabuticabeiras. A maioria fica carregada de frutas entre os meses de setembro e outubro, mas há algumas especiais que produzem jabuticaba praticamente o ano todo. Mal termina uma florada, que frutifica, e logo começam surgir novas florzinhas amarelas, ainda no período em que os passarinhos atacam a árvore, para aproveitar as frutas que sobram e murcham no pé. Aquelas difíceis de alcançar. A minha árvore é assim, sempre produzindo, sempre florescendo, sempre dando frutos... Ela está tão longe e, ao mesmo tempo, tão perto, tão dentro de mim.

Fico pensando que talvez eu tenha aprendido a viver com a jabuticabeira. Tenho eu também as minhas fases. Tem épocas que pareço florir, me encho de vida, um certo aroma de produção de vida, vou me sentindo renovando, envaideço-me. Tento me ajeitar com o sentimento de que a vida vale a pena e que é possível reviver a florada, remoçar na produção de flores, atividade que me é tão cara – mas isso já é assunto pra outro texto. Há, ainda, momentos em que consigo fazer dessas flores um amontoado de frutos, que vão se aglomerando, se espremendo na produção do dia, deixando esta árvore produtora sobrecarregada com o que produz... São doces as jabuticabas, assim como são os frutos que produzo na vida. Ao menos, tento que sejam assim. Doces e cheirosas. Espero sempre que a minha produção distribua um certo aroma, contagiante, que possa envolver as pessoas, faze-las sentirem-se motivadas, interessadas. Vivo da Comunicação, da interação com seres outros. Intenciono, portanto, o contágio das emoções derramadas, que possam tocar os afetos, afetar, produzir movimento.

Só que há também situações em que este mesmo doce exalado parece atrair abelhas, seres que vão produzindo zunidos, que se aproximam e vão meio que sugando o néctar da produção. Muitas vezes, eu me deparei com elas na jabuticabeira que meu avô me deu. Houve até mesmo um certo dia em que despenquei da árvore, com medo de ser picada, meio assustada com o contato, intimidada pelo risco de ser machucada. Fiz um corte na perna, que me rendeu uma cicatriz pra vida toda. Uma dessas marcas permanentes dos medos que a gente vive, medo de ser machucada, medo de quem vem buscar o mel, o mais doce da nossa existência. O leitor certamente já percebeu que não estou falando só da jabuticaba...Falo do meu medo das abelhas, abelhas-abelhas, e abelhas-pessoas.

Depois, há tempos em que me sinto murchando, com os frutos secando. Parece que perco as forças. Passo algum tempo assim. Vou meio que me escondendo, constrangida por achar que não estou oferecendo o melhor produto. Fico olhando as pessoas que se aproximam e penso que posso oferecer mais. Talvez, de algum modo, a jabuticabeira também tenha esse constrangimento circunstancial. Ela deve ter me visto, tantas vezes, embaixo de seus galhos, com olhos de desejo, entristecida por não vislumbrar nenhuma fruta, meio perdida nas lembranças de outras situações.

O que consola é compreender o ciclo do tempo. Acho que herdei da minha jabuticabeira, também, a capacidade de renovar. Aos poucos, passa o tempo de entristecimento, surgem brotos... os nozinhos secos vão dando lugar a pequenas flores e, com elas, renasce a esperança de sentir o gosto, de reencontrar o brilho e o viço das doces morenas jabuticabas. Sabor de infância. Sabor de mocidade, de laços afetivos intensos, da segurança do relacionamento com meus irmãos, com quem aprendi, entre tantas coisas, a dividir jabuticabas, a dividir o doce da vida e os momentos de estripulias, as armações para conquistar as maiores, as bitelas, como chamávamos. Deixo, por fim, um apelo singelo. Se o leitor souber, onde conseguir jabuticabas aqui no Sul, por favor, me escreva (malu@pazza.com.br). Quem me dá jabuticabas ganha minha amizade pra vida toda. Não sei o que você pensa disso, mas sei que é uma das melhores coisas que tenho para oferecer....beijo.

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