sábado, 8 de janeiro de 2011

Doces momentos de ‘sozinha’

Janeiro sempre é assim. Mais frequentemente, neste mês e no próximo, eu consigo viver períodos ‘de sozinha’. Eu comigo mesma. Assim, olhar para a casa e pensar: ah.. ‘minha casa’. É doce também estar sozinha, às vezes, para quem tem a vida às voltas com um mundo de gente. Ainda mais, uma criatura mãe de quatro filhos... No meu caso, o silêncio da casa, às vezes, a dimensão dos momentos de quietude, de contemplação do meu próprio ser.. de remoer minhas ‘mirabolices’...caraminholas, intimidades reflexivas... são, seguramente, muito doces. São revigorantes até mesmo para eu viver a maternagem, que também gosto muito, e que conquistei depois de muito pedir a Deus, como contei em outro texto deste blog – “Eu sou Mãe Malu-a”, em maio do ano passado.

Costumo dizer que amo tudo o que eu faço. E não digo à toa. Digo porque é a mais intensa e pura verdade. Amo, porque é da matriz Malu amar. Eu só sei viver assim. Quem me gosta tem que ter paciência. Gostar assim mesmo, se for pra gostar. Como disse o grande poeta Drummond: “Que pode uma criatura, entre outras criaturas, senão amar?”. Bem, eu sou sua ‘seguidora’...literalmente ‘vivo disso’, amorosidade e poesia, intensidades afetivas, imiscuídas em um cotidiano truculento desses típicos do Capitalismo Mundial Integrado, diria Guattari, um autor que estudo. Orientada pelo poeta e outros...também por minha fé, é claro, eu sigo amorosamente vivendo. Lembrando Restrepo, vou adiante tentando resgatar “O Direito à Ternura” – título de um dos livros mais lindos que já li e que recomendo veementemente.

Assim como em muitas coisas na vida, também nesse sentido sou aprendiz. Estou tentando a aprender a ‘amar, sem amarrar’. Tentando desapegar... me soltar. Assim, nessa idade...enfim... algumas coisas já aprendi. Por exemplo, o que expressa o conceito de amor, de Humberto Maturana: "O amor é o reconhecimento do outro, como legítimo outro, na convivência". Isso é diferente da paixão. A paixão tem um componente de idealização do outro, de espera que o outro corresponda às nossas expectativas... às nossas carências... O amor, não.. O amor tem a ver com um afeto desmedido, mas que é pelo que o outro é, e não pelo que a gente espera que o outro seja....e isso.. na partilha.. .na convivência... ou, mesmo, na ausência, misturando componentes de paixão, respeito, amizade, tesão... sem ordem, nem desordem... só sendo.....sem cobrança nem nada... existindo.

Então penso que aprendi muitas coisas. Me sinto transformada, em múltiplos sentidos. Conseguir ficar sozinha, assim... me encontrar e mergulhar em meus sentimentos e pensamentos é uma delas. Acredito no que diz o trecho do texto de Osho: “Somente aquelas pessoas que conseguem ficar sozinhas são capazes de amar, de compartilhar, de penetrar no mais profundo âmago da outra pessoa – sem possuí-la, sem se tornar dependente dELA, sem criar “o outro”, reduzindo-o a uma coisa, e sem se viciar no outro”.

Mesmo assim, quando amo, amo. É certamente um amar profundo. Gosto de estar junto, gosto de cuidar, gosto de compartilhar pequenas coisas, de viver tudo e mais um pouco, do que cada tipo de amor torna possível. Gosto de ser dengada, di ‘coccole’, como se diz em italiano, gosto de ‘dar colo’, em sentido amplo, mas, principalmente, vou me nutrindo do substrato amoroso, que lindamente se constitui em algumas relações. Assim, continuo me nutrindo do amor, mesmo quando aparentemente o amor acaba, quando o amor não está, quando o amor não vem, quando o amor saiu, quando o amor viajou, quando o amor se foi. Em algumas situações, em alguns momentos, sinto fortemente uma dor de saudade, apertada, física mesmo, pela grandiosidade do vivido e partilhado. Com o tempo, no entanto, vou me acostumando, entendendo que o mais importante de tudo é que a pessoa – meus filhos, meu 'amor-homem', meus amigos, minha família.. enfim – esteja bem, esteja feliz, segundo seus desejos e necessidades, mesmo que não esteja comigo. Penso que o amor é assim e se o amor é amor.. de alguma forma, ele volta.

Há um tempo, na vida, em que tudo tem uma urgência desesperadora, tudo é pra ontem, em que ainda temos cristalizado o fatalismo do mundo da criança. A criança quer ir no supermercado com a mãe ou é infeliz! A lógica dela é essa. É tudo agora ou .. a fatalidade de ‘ficar em casa, sem ir ao super’. Quantas vezes vi meus filhos, aos prantos, escorregando na porta, com os braços estentidos, porque a resposta era negativa. Mas pranto, pranto mesmo... como se o mundo estivesse acabando, ele (ou ela) estivesse sendo abandonado... No mundo da criança, isso já não é fácil de lidar, mas o maior problema é que isso não se perde facilmente.. não é um ‘programa’ que seja desinstalado a um ‘clique’. Então, quando jovens, os seres humanos mantêm essa característica e tantas vezes se desesperam, porque o que queriam muito que acontecesse não aconteceu, no tempo e na hora esperada.

Eu que já perdi tanta coisa, que já vivi, acredito, grandiosas perdas e derrotas, como a que comentei no outro texto (“Derrotas também ensinam”), não tenho mais tempo nem vocação para sofrimento. Não estou mais em tempo de amargura, mas em tempo de bem querer e ser bem-querida! Não me grudo no que ‘não pode ser’.. entrego para o ‘Universo’ e deixo livre ao movimento cósmico.. É assim como tem que ser. Não é fácil, mas é preciso. Além disso, conto com a maturidade ‘na gestão da vida’, como eu tenho chamado. Ah... isso é bom da passagem do tempo na vida da gente. Nem tudo é bom, mas isso é. Um tanto de serenidade, muito de segurança interna, de autoestima, de reconhecimento da força motriz de ‘ser humano’ que nos move, que não se desaloja ou desmancha, que não se destrói ao primeiro abalo – nem ao segundo, nem ao terceiro.. nem ao décimo milionésimo quinto...

Por essas e outras coisas, saboreio os instantes de ‘sozinha’, não como de ‘solidão’, no sentido dramático e pejorativo com que ele tem sido usado, mas de ‘paz interna’, de possibilidade de contemplar meu território subjetivo dentro e fora, desde minha mesa de ‘cheia dos meus pedaços’, até meus sentimentos entrelaçados, costurados no tempo, minhas feridas narcísicas. Posso comemorar suas cicatrizes, verificar que há muito já tecido, trabalhado, nessa trama existencial maluca, Malu Cardinale. Que bom!

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