Essa semana fui ao ‘salão de beleza’ pintar o cabelo. Sim, pintar o cabelo. Costumo dizer que, enquanto houver tinta no mercado, meus cabelos não ficarão esbranquiçados. Eu sei, é genético. Eu sei, não quer dizer que estou ficando velha caquética (esse fato sozinho, pelo menos, não quer dizer isso), mas, neste momento da minha vida, ainda, exibir cabelos brancos, como diriam meus filhos: “não eras..” (esses adolescentes inventam cada uma, nas suas rupturas cotidianas... em geral, seguem lógica “abandonaram a gramática”, enfim, vale para o momento...’não eras’).
Acontece que eu não tenho muita paciência para os ambientes esses, de ‘salão de beleza’. Vou como compromisso feminino, todas as semanas, para fazer unhas, cuidar detalhes do corpo, que considero importantes. Coisas da Malu Mulher, cuidados comigo mesma, mas, me incomoda a futilidade de algumas pessoas, assim como a sensação que algumas mulheres têm de que estão em um confessionário. Elas contam intimidades, de todos os tipos, fatos marcantes sobre seus relacionamentos amorosos, sexuais, e outros detalhes da vida que, normalmente, não divulgamos. Esbanjam um não constrangimento com o qual eu não consigo partilhar. Há detalhes da vida íntima, que são de arrepiar, e que elas contam para a manicure, em alto e bom som, para todo mundo ouvir, inclusive eu, que não tenho nada a ver com isso, que, em muitos casos, não as conheço. Fico pensando, meu Deus, como as pessoas se expõem dessa maneira?
Bem, há outras que fazem questão de parecerem felizes. Exageradas. Escandalosas. Gritam. Bah. Eu não suporto pessoas que falam gritando. Sou italiana e, muitas vezes, em casa, com a família, se forma uma ‘chiacchiera’ (conversa) em que falamos mais alto um pouco – em casa, junto a pessoas com quem temos intimidade...conversa particular...espaço de intimidade. Nunca em público. Penso que o grito é um descontrole. De algum tipo. O grito é uma desproporção. Há momentos em que gritamos e o grito faz sentido, mas só na intimidade, quando esse grito não é de agressão, mas de soltura dos sentimentos, de sensações. Mas, óbvio, em espaços públicos não temos que sair soltando nossas emoções e sentimentos, sem constrangimento. É preciso um mínimo de recato. É, talvez eu esteja ficando velha... não sei, mas não me acostumo com certas coisas. Vou contar um episódio. Há outros que depois eu conto.
O primeiro deles foi no ‘salão’. Eu exausta, tinha ido pintar o cabelo porque estavam aparecendo os brancos e eu tinha a previsão de uma reunião importante de negócios – sim, de negócios também, claro que não me arrumo só pra isso... me arrumo para o cotidiano de vida, como Malu Mulher. Bom, mas naquele dia, eu tinha ‘fervido’ o dia inteiro, nesse janeiro tórrido de Porto Alegre. No final da tarde, esperava pacientemente – não muito – a tal da tinta fazer efeitos nos meus cabelos. Aí entra no salão uma criatura, aos berros, cantando – jurando que cantava – uma música do Paul McCartney. Ela disse que era. Eu não tenho ideia que música poderia ser. O timbre de voz altíssimo e sem ritmo associado a um inglês mal pronunciado fazia daquele som tudo menos música, que dirá do Paul McCartney. Quer dizer, o quadro da dor. Eu exausta, querendo que o tempo passasse logo para voltar para casa descansar e a louca criatura aos brados, achando que cantava.
Não satisfeita de entrar assim no ‘salão’, ela se aproximou de mim – que abri os olhos, até então cochilava, viajava dentro de mim mesma, nesse tempo da ‘tinta’. Sem nenhuma preocupação sobre se estaria ou não agradando, ela sorria muito e me dizia: “Sabe, eu fui ao show dele e não consigo parar de cantar!”. Fiquei, então, agradecendo por não ser sua vizinha. Meu Deus, estamos em janeiro, o show foi em novembro, se não me engano. Se essa pessoa ‘canta’ há um mês e meio, dois meses... é um caso de saúde pública. É preciso chamar a defesa civil, os bombeiros – hum, os bombeiros seriam uma boa ideia... mas isso eu conto em outro texto, risos.
Eu não respondi nada. Por sinal, essa senhora tem essa habilidade: me emudecer. Ela já conseguiu isso, em diversos momentos, aqui no bairro, mesmo sem perceber – sim, porque ela parece não fazer por mal. Só faz porque é o seu jeito, assim, desmedido, descuidado com o outro. Ela chega, grita, pergunta, não espera resposta e, mesmo que espere, eu não respondo. Prefiro não responder. Quando percebo que não vou manter a cordialidade costumeira, prefiro não responder. Melhor assim. Então, diante dela, normalmente, emudeço. Melhor assim. Não quero maltratá-la. Se for dizer o que penso... bem, ela não entenderia, talvez se ofendesse. Não quero isso. Só queria que ela não gritasse, perto de mim.
Outra vez, eu vivia uma situação difícil com um dos meus filhos. Ela viu e me perguntou: “O que ele tem? Por que ele faz isso?”. O momento não era de explicações. A situação também não. Todas as outras pessoas viam meu sofrimento com a cena e se limitavam a silenciar. Ela não, gritava. Eu emudeci. Tempos mais tarde, num rasgo de lucidez, ela veio falar comigo e me pediu desculpas por ter perguntado. “Eu não devia ter perguntado”. Eu me assustei com a manifestação, que não parecia dela e, também, emudeci. Depois disso, muitas outras vezes eu a vi gritando e sempre procuro me afastar, fazer de conta que não ouço – o que seria impossível. Dessa vez, no salão, com a música ou suposta música... é que foi mortal. A fase final do momento de relaxamento, para pintar os cabelos, foi um martírio, com uma trilha musical que mais parecia de um filme de terror...eu não sei dizer o que ela cantava, acho que ninguém saberia. Eu fiz o de sempre, no caso dela: emudeci.
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