quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Por que Margaridas Brancas? O início....


Esse espaço, Margaridas Brancas, como eu venho anunciando, é um canteiro de palavras e imagens. Mas, de onde surgiu este título? Por que Margaridas Brancas é uma metáfora tão forte para mim, a ponto de dar nome ao meu território subjetivo de escritos, tão carinhosamente preparado para amigos queridos, para receber pessoas interessadas em compartilhar minhas ‘ma-lu-‘quis’-ces’. Vocês sabem, a palavra certa é maluquices, mas será mesmo que eu tenho que me preocupar, também, com a palavra certa, no caso de maluquices? Uso assim, porque brinco com a ideia de que a Malu ‘quis’ser.. enfim.. invencionices e brincadeiras discursivas, que são uma das minhas diversões preferidas. Brincar com as palavras, ajeitá-las, semeá-las, aninhá-las aqui e ali e, na brincadeira, ir provocando, insinuando, atiçando o Outro, para um encontro prazeroso e que nos ajude a dar significado para o turbilhão interno, para o cotidiano caótico, para os momentos de amor e de desamor, para os de encontros e desencontros.. enfim.. assim...

Então, vamos lá, o motivo, ou o início do motivo, que a história é longa. Margaridas Brancas eram as preferidas do meu nonno (avô, em italiano), senhor Diodato Cardinale. Eu o amo e amei a vida inteira, sem tê-lo conhecido. Ele desencarnou antes que eu nascesse. Conheci-o através da fala apaixonada da minha mãe, Rita Cardinale. Meu nonno era um dos imigrantes que vieram para o Brasil, para “fazer a América”, para reinventar a vida, para retomar as rédeas de sua história, reescrevendo a história de si mesmo. Cinco anos depois de ele ter deixado a Itália, minha mãe, então com 10 anos, veio atrás dele. Ela veio de navio, numa travessia que durou 14 dias e 14 noites, em 1952, juntamente com seu irmão, Antonio Cardinale, que tinha apenas 14 anos. Ela veio em busca do pai. Fico pensando na loucura que deve ter sido essa viagem..., no que significou para uma adolescente atravessar o oceano com o irmão, em um navio. Tudo parece incrível e de uma intensidade de sofrimento atroz: a despedida no porto de Napoli, deixar a mãe e as irmãs.. e a Itália.. meu Deus... deixar a Itália... Sempre me vem vontade de chorar, quando penso nesse momento. Provavelmente eu traga esse choro de outras vidas, quase certo. Ao mesmo tempo, questiono: já não me basta o choro desta vida? Se eu trouxe choro das outras, então, sou mesmo um caso perdido.

Bem, minha mãe chegou ao Brasil, no porto de Santos, assim como tantos imigrantes que vieram para o Estado de São Paulo. Era dia dois de fevereiro de 1952. Meu nonno foi buscá-la e levou os dois filhos para viver em uma pequeníssima cidade do interior paulista, chamada Guarantã. Ali minha mãe cresceu, casou e teve filhos. Na mesma cidade, meu nonno morreu. Alguns anos depois da morte dele, ela vivia com o então marido e os filhos, e a família passava por dificuldades financeiras. Tudo era muito difícil para a costureira Rita e o mecânico Baptista. Numa madrugada, minha mãe teve um sonho. Sonhou com meu nonno. No sonho, ela contava para ele o quanto a situação era complicada, com o que ganhava como costureira e o salário de meu pai, que trabalhava como mecânico de caminhões, em uma fazenda de gado. Meu nonno, então, perguntou: “Rita, por que você não faz flores para vender?”. Ela imediatamente respondeu: “Mas, pai, nós estamos vivendo muitas dificuldades, imensas. Para fazer flores, eu vou ter que aprender, vou ter que fazer um curso. Aqui em Guarantã, não tem curso. Vou ter que ir a Bauru (uma cidade maior, da região). Isso é impossível”. Ele, então, calmamente, disse: “Filha minha, não precisa. Olha bem em uma flor, que você vai ser capaz de fazer, qualquer flor. É só você olhar bem, que vai saber como fazer”. Ela acordou chorando e contou o sonho para o meu pai. Eram quatro e meia da manhã. Ela tinha que fazer comida, para o meu pai levar para almoçar, na fazenda.

Já na cozinha, minha mãe tratava de fazer a refeição, mas o sonho não saía da cabeça. De repente, olhou para a janela e, pela vidraça, avistou um canteiro de margaridas brancas. Eram do meu nonno. Estavam plantadas em um canteiro especial, em homenagem ao seu pai. Aí, ela saiu, foi até o canteiro e apanhou uma margarida (coisa que nunca fazia... o canteiro era quase um território sagrado, ninguém mexia). Olhou para a margarida e, imediatamente, percebeu que saberia como fazer uma flor semelhante àquela. Juntou uns trocados, que tinha recebido como pagamento do trabalho de costuras, comprou material e, no mesmo dia, fez um ramalhete de margaridas e botou na estante. Uma vizinha, chamada D. Ernesta, olhou as flores e perguntou: “D. Rita, a senhora não diz que não apanha as margaridas do Seu Diodato?”. Minha mãe respondeu: “Não apanho mesmo.”. “Mas e aquelas ali?”, questionou a senhora, apontando para o ramalhete de margaridas brancas que minha mãe tinha feito. Resumindo: as flores tinham ficado realmente muito parecidas com as naturais, a tal ponto que a vizinha as confundira com as do canteiro. Daí, desse momento, do sonho com meu nonno, nasceu uma fábrica de flores, que sustentou minha família, durante os anos. De certa forma, esse dia sustentou o projeto de vida que me trouxe até este momento aqui, jornalista, blogueira, doutora em Ciências da Comunicação. Eu cresci, estudei e me formei profissional de Comunicação, sustentada por uma família que viveu produzindo flores, durante muitos anos, dias e noite e madrugadas....

De certa forma, posso dizer que devo uma parte do rumo da minha vida às Margaridas Brancas. Isso é só o começo da explicação... aos poucos, vou publicando os capítulos seguintes.. não percam! Beijos.

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