terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Encontro de leoas 1



Bem, para facilitar as coisas para você, leitor, uma explicação inicial: tenho dito para amigos amigos que existem diferenças em mim, grandiosas, nos jeitos de agir da Maria Luiza, da Malu e da Luiza. Tem também a Cardinale e algumas outras, mas as três primeiras são as principais, sem querer ofender ninguém. Uma vez, conversando com uma pessoa racional, racional (bem diferente de mim, portanto), ela disse: “Olha, você não vê que é uma pessoa só?”. Eu vejo, eu sei, mas fica mais fácil de entender algumas coisas, se eu compreendo que elas são diferentes, porque partem de lógicas diferentes, de matrizes de orientação diferentes. Bem, segue, então, um encontro de leoas, meu primeiro diálogo interno publicado. Com vocês, Maria Luiza e Malu Cardinale – eu mesma.. as duas...

Maria Luiza: Prezada criatura eu mesma, na versão tonta, digamos. Tenho acompanhado tuas publicações neste blog e não me surpreendo, mas também não consigo me deter, diante da convicção de que preciso te dizer algumas verdades. São textos muuuuiiiitttooo melosos. Você se derrama muito. Você se declara muito. Você passa o tempo todo falando de amor, amor, amor... Mas será possível que você não tem autocrítica? Não vê que não estamos em tempo de tanto amor assim, de tanta dedicação aos outros? Ninguém mais faz isso e quem faz sempre se rala... sempre fica à espera da espera da espera da espera...

Malu: Meu jeito é assim. Nada do que eu disse é mentira. Nem uma vírgula. Nem um ponto, qualquer que seja. Eu tenho como orientação o que eu chamo de ‘dar o texto inteiro’. Então sou assim, me mostro, me solto, me entrego. Tenho que confessar um pensamento que me ocupou a mente hoje: um dos meus problemas é a Poética. Um tipo de complexidade, um jeito de viver a vida... num mergulho abstrato teórico de intensidade, vivendo tudo às ganas, ‘sentir com as tripas’, como disse um dos autores que eu estudo, o psicanalista Luís Carlos Restrepo, no livro O Direito à Ternura. Às vezes, isso me incomoda, sim. Uma vez me disseram que eu tenho teoria pra tudo, que de tudo faço teoria. De certa forma, é, sim. Vivo cada coisa com intensidade afetiva e reflexiva. Não tem jeito. Outra pessoa me disse que eu vivo fazendo enredo. Também é verdade... eu tenho que estudar mais Aristóteles, eu sei que tenho. Se vou fazer enredo, que seja também com profundidade filosófica. No capricho, como tento fazer tudo.

Maria Luiza: Mas não vê que isso pode te atrapalhar? Te tirar o prumo, o motor prático operacional? Há muitas tarefas, muitas coisas por fazer. Você gerencia vários mundos de várias pessoas. Tem muita gente que depende de você. Muita gente que se espelha e cuja vida depende de você estar bem, produzir, fazer um bom trabalho, cumprir tua missão de ser humano do bem. Não pode se dar ao luxo de delírios poéticos, de viver assim inebriada pelos acontecimentos cotidianos, como se fosse uma adolescente romântica...

Malu: Problemas no teu discurso, minha cara. Problemas. Não há, ninguém que eu conheça que tenha total controle de si mesmo. De tudo o que eu sei sobre o ser humano, o que me parece mais óbvio é que todos vivemos oscilando, ao sabor dos humores, das alterações internas dos líquidos, das marés de sentimentos e substâncias afetivas, que ora nos mandam para um lado, ora para outro. Então, afinal, o que é o prumo? O motor prático operacional eu sei bem o que é, porque o meu está acionado o tempo todo. Independente do que eu estou sentindo, mesmo agora, que me sinto como me sinto (melhor não detalhar), tenho sempre que seguir adiante. Faço o que tenho que fazer. Nem sempre no mesmo ritmo. Às vezes tenho que parar para chorar, brigar, xingar, espernear, mas sigo sempre fazendo e, até onde é possível, tenho feito as coisas com qualidade. Outra coisa, eu vivo sim, apaixonada, mas estou bem longe da adolescente romântica que fui um dia... vivo amorosidades desejantes, investimentos desejantes... isso é outra coisa. Você está desatualizada de mim.. isso, sim.

Maria Luiza: Sim, senhora, mas poderia sofrer menos...

Malu: Talvez, mas sei que sofro na medida da intensidade que vivo, que serve como força, como energia, quando vem, quando as coisas acontecem. Eu respiro assim. Eu sou assim. Então,quando sofro, também estou indo à forra com a vida, não estou aqui a passeio, sei que vivo ‘como gente grande’ e essa é a única forma que sei viver. Eu já fui criança, mas isso faz muito tempo. E fui uma criança assim também, amorosa e reflexiva. Tinha mais medo. Hoje não tenho mais. Quase não tenho... poucas coisas me dão medo e, em geral, quando dão, eu acabo enfrentando, porque aprendi que assim é que tem que ser.

Hoje, percorrendo as ruas de Caxias do Sul, cidade onde vou passar, pelo menos, parte da semana, me dei conta que sou assim mesmo. Eu observo os detalhes, me observo, rio da minha própria atrapalhação com a desorientação espacial... ainda não conheço bem a cidade. Houve um momento que saí para ir à imobiliária. Tinha decidido ir a Porto Alegre, mas um telefonema da imobiliária mudou meus planos. Então, saí.. e caminhei, caminhei... mas achava algo estranho...a rua mais inclinada. Eu não tinha subido lomba na outra vez. As lojas diferentes. De repente vi uma loja com flores. Aí parei e disse pra mim mesma: “Ah, não.. uma loja de flores eu teria visto e registrado a informação. Eu não passei por aqui. Mas, então, aconteceu o quê... eu fiz a mesma coisa que fiz ontem. Saí do hotel caminhando... na direção que a mulher da recepção indicou para ir à imobiliária”...Hum, bem, sou desorientada, mas sou humilde (risos, algum valor isso tem que ter), assumo que me perco. Então, perguntei para um senhor a localização da imobiliária tal, que não vou dizer o nome, pra não fazer merchandising... e ele me apontou o outro lado da rua...e disse, sim, é nesta rua, mas é láaaaa.. no início. Putz. Eu estava caminhando na direção contrária.

Maria Luiza: Olha aí, tô dizendo... tô dizendo...você se atrapalha.

Malu: Eu me atrapalho, mas não sozinha. Eu e a torcida do Flamengo, no caso, como estamos do Rio Grande do Sul.. do Inter e do Grêmio juntas. Ah..e do Juventude também. A atrapalhação, neste caso, tem mais a ver com a presunção de tentar saber todos os caminhos, as direções, que é mais coisa tua que minha. Eu não, me assumo atrapalhada... frágil e forte.. você é que vive dando a entender que sabe os caminhos certos. Também se rala por isso.

Aos poucos, vou tomando pé... vou construindo território subjetivo, tentando me misturar à paisagem. Sinto que, no início, no entanto, é preciso reaprender a caminhar, parece que nem mesmo enxergo direito... é estranho, os lugares não ‘fixam’, ao mesmo tempo que tudo chama minha atenção, tudo parece ter um brilho e um encanto diferente. Em outros momentos, as pessoas passam, passam, passam, uma, outra, em grupos... elas riem entre si, conversam, esperam ônibus, dirigem...estão ambientadas, se sentem em casa. Eu ainda não me sinto em casa, mas estou vivendo a mutação em mim, o estranhamento, o desassossego e a graça de estar vindo para um lugar diferente. Estou em busca de um novo território subjetivo, um outro lugar (também interno) pra viver e ser feliz. A mudança está em mim. Quem viver, verá. Penso que nós duas vamos ter que ceder...um pouco.

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