domingo, 16 de janeiro de 2011

Quando os filhotes partem....



Estranha a sensação de ver os filhotes partindo. Fui hoje ao aeroporto levar meus dois filhos menores, Giuseppe e Chiara, que vão ficar até o final do mês na casa do pai, em Curitiba. Essa situação tem se repetido em outros anos e, por isso, já estou acostumada. Estou? Quem disse? Meu instinto materno, de fêmea ‘onça’, não vê graça em enxergar os filhotes se afastando, em meio à selva humana, se distanciando junto com outros ‘animais’ de nossa espécie. Os dois, embora pequenos (11 e 9 anos), viajaram sozinhos, de avião, com autorização judicial. Foram acompanhados por uma funcionária da empresa aérea, até o embarque, e, depois, do avião até o desembarque, onde encontraram o pai.

Tento me convencer com argumentos racionais, repetindo: “Olha, paciência, é o curso natural das coisas. Lembra, você os cria para o mundo. Assim tem sido e assim vai ser. Não adianta espernear!”. Está bem, eu considero tudo isso, mas então, quem tira a sensação interna, mistura de tristeza e fúria, me sinto meio como uma onça girando em volta de mim mesma.... reagindo ao afastamento, contra toda a racionalização. Parece que não está certo, deixar ir. Está certo, sim. Está. Os filhotes de outras espécies também vivem isso. Chega um momento em que têm que aprender a andar sozinhos na floresta, vivem a iniciação, o afastamento... Ai meu Deus. Mas tudo é tão perigoso. Adultos adultos, nós ficamos mais valentes, quando os riscos dizem respeito a nós próprios. Suportamos mais as dores no nosso próprio corpo. Mas quando são as ‘crias’, os filhotes que estão em jogo... ah.. aí a coisa muda um pouco de figura. Em todo caso, acaba prevalecendo a verdade de que cada um tem que construir seu caminho e, pra isso, só caminhando e aprendendo a caminhar sozinho... é assim.

Certo, certo, há depois os ‘doces momentos de sozinha’, a que me referi no outro texto. Além disso, eu sei que eles vão estar bem, que vão estar felizes, aproveitando as férias. Também precisam de contato com o pai, desse tempo de usufruir da outra referência de vida... O mundo do Pai. Eu, de minha parte, posso retomar as minhas coisas, me aquietar em mim mesma, um tempo.

De qualquer forma, não é muito fácil a hora de vê-los, assim, arrumadinhos (lindos, pra ser bem sincera, risos), prontos pra partir. O Giuseppe (11 anos) engroçando a voz, meio que se sentindo responsável pela irmã Chiara (9 anos).... Na hora do abraço, os dois, quase ao mesmo tempo, dizem: “Mãe, não chora!”. A moça da empresa aérea, que os acompanhava, para o embarque, olhou e disse: “Bom, mas aí já é querer demais!”. Fiquei pensando, ‘será que ela me conhece?’ Não, talvez ela também seja mãe, ou , pela experiência de acompanhar esses momentos de separação, saiba que isso não é sem dor. Bem, me contive o que pude, até porque eu e a Chiarinha já tínhamos feito nosso ‘ritual desaguador’ no dia anterior, arrumando as malas.... Bah. Se ela chora, não me peçam pra não chorar...aí não dá pra aguentar (lembram do texto: Quer um balde?”).

Giuseppe, no dia anterior, me pediu para ficar um pouco com ele, quando foi se deitar. Me encheu de declarações de amor e pediu ‘juras’ de que eu não vou esquecê-lo. Pode? Como esquecer? “Filhos, filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos? Como sabê-los?”, disse Vinicius de Morais, no Poema Enjoadinho. Melhor tê-los, penso eu, quando se tem muito desejo e maturidade pra isso. Como eu disse hoje, depois, para um amigo, ao telefone, eles me tiram o couro, literalmente, me ‘sugam de canudinho’, me exaurem a paciência, tantas vezes, mas também prenchem a alma, dão brilho pra vida, fazem a ‘passagem’ essa aqui, na vida, ter muito mais sentido. Ter muito mais graça. O sentido não é só por eles, claro, mas, com eles, é muito melhor.

Eu gosto de coisas simples, gosto da simplicidade do cotidiano em família. Então, curto ‘cacos de frase’, o jeito de cada um, a fala trocada no início da linguagem, o machucado no joelho no jogo de futebol, o chamado por mim, o brilho no olhar comendo o bolo que eu faço, o clássico aqui de casa – e eventual, por motivos óbvios (nutricionistas não me crucifiquem!) – “Festival das Batatas Fritas”. É interessante que cada família vai criando tradições do grupo, que vão desde brincadeiras a pequenos rituais, jeitos de como fazer as coisas. “O fulano, se estivesse aqui, diria....”. Há sempre alguém que dispara a frase, para fazer presente, quem não está. Então, também é natural, que, em meio a esse tempo extra, para escrever minhas coisas, finalizar tarefas, descansar, namorar, fazer nada, praticar esportes, dançar... eu também sinta a sua ausência.

Só que é a ausência, no sentido de Drummond, a ausência, como um ‘estar em mim”. Eu aprendi, com o tempo, pra amenizar a saudade, a desfrutar de presenças de pessoas amadas ‘em mim’. Pessoas que se constituiram como seres de afeto, que, se ‘instalaram feito posseiros, dentro do meu coração’, para fazer referência à música, daquele ‘homem para adorar’, a quem homenageei, em outro texto do Margaridas Brancas.


Ausência (Carlos Drummond de Andrade)

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Teresinha (Chico Buarque)

[...)
O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração.

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