sábado, 29 de janeiro de 2011

Pra que servem as gavetas?


A imagem se chama Mulher com Gavetas e é de Salvador Dali.

As gavetas são lugares interessantes. Territórios onde são guardadas coisas, que classificamos, ou não, que selecionamos ou não. Compartimentos onde também escondemos coisas. Pra que servem as gavetas? Eu perguntei uma vez para minha filha, num momento de cumplicidade, em que, sem tempo para arrumar todo o seu quarto, concordei que guardássemos alguns materiais nas gavetas, misturados, do jeito que estavam, para uma reorganização futura (sabe Deus quando). Paciência. A gente vive no tempo em que vive, na configuração existencial em que se vive. Nem sempre é possível fazer as coisas como gostaríamos ou como elas têm que ser feitas. “Um pouco de possível, se não eu sufoco”, disse Deleuze. Eu penso também nessa frase, entre tantas outras, para me permitir fazer o que dá pra fazer, sem idealização. Um pouco de possível, o que é possível no momento. Para isso, é importante também aprender a se ‘des’-culpar. Perdoar-se, por não ser perfeita. Eu, tantas vezes não me perdoo. São resquícios da onipotência infantil.

Momentos introspectivos, depois de remexer papéis antigos e arquivos no Rei Arthur (o nome que dei ao meu computador da Pazza, o melhor de todos os que eu já tive). Há outros em uso pelas minhas assistentes, mas o Rei Arthur é território meu. O outro, o portátil, que me acompanha por onde eu vou, por aí, nas minhas andanças, e vai estar comigo em Caxias do Sul o ano todo, eu chamo de Príncipe... Ele tem um nome também, mas prefiro não contar. Quem sabe um dia eu conte. Hoje não. Gosto de dar nome e títulos... não faço isso aleatoriamente. Penso, repenso... escolho. Tem que ter uma lógica, assim como ocorre com os nomes dos meus computadores. Talvez isso seja coisa de velha ou de escritora de ficção... vou criando personagens até com meus computadores, personifico imaginariamente e fico com a sensação de que eles têm sentimentos e vontades e que me ajudam a viver, em função disso. (Mas, será que eles não têm sentimento mesmo? Tenho cá minhas dúvidas... enfim...).

Nessas investidas de organização também é preciso coragem. As coisas precisam ser organizadas, mas, quando elas envolvem ‘guardados’... sejam escritos ou materiais, pensamentos, sentimentos, podem trazer sensações também guardadas, lembranças que, por um motivo ou outro, foram escondidas de nós mesmos. Então, nessa aventura de retomar tudo e selecionar, separar, eu me deparei com a condição de agora em que tudo está mexido em mim, também, internamente. Reencontrei textos, poemas, textos estilo crônicas do cotidiano, como alguns que escrevo aqui. Pior, conversas ‘internéticas’ salvas com senha. Da série: ninguém merece. Fechava rapidamente, mas depois abria outra e mais outra... lembranças guardadas de momentos outros. Guardadas pra ninguém ver. Por alguma razão, penso que era também para que eu não visse... mas eu vi, revi.

Janeiro, em geral, é um mês de reorganização das coisas, pra mim. Já tive janeiros melhores que este, bem melhores, mas isso é outro tema. O que eu não tenho, neste janeiro, que tive em outros anos, é compensado por outra condição interna, de repensar o meu lugar no mundo, nas relações com as pessoas. Na preparação da mudança, tento redirecionar minhas atitudes, meus sentimentos. Curar feridas psíquicas. Puxa, que pretensão a minha! Incomodou-me, por exemplo, profundamente, que, em alguns textos meus que reli, havia uma repetição de cenas, de falas, de comportamentos meus. Algo como um sinal de alerta: bem, se há anos eu venho falando as mesmas coisas e tendo algumas mesmas atitudes, é lógico que só posso estar obtendo os mesmos resultados e nem sempre eles me agradam.

Então, a questão que se coloca é como ‘mudar o texto’, não só o texto que escrevi, porque este não se muda... está escrito...era o texto daquele momento, mas como se muda o texto daqui pra frente? Talvez a pista seja começar de um ponto final ou, mesmo, de uma tela (ou folha) em branco, pra começar um texto novo. Mas por que eu sempre acredito que é possível reescrever histórias mal contadas e mal vividas? Por que insisto por anos a fio na tentativa de construir desfechos mais felizes, em roteiros compartilhados?

Talvez você também já tenha ficado com a sensação de estar se repetindo em alguma cena importante da vida e, na repetição, começar a se enjoar com o seu desempenho. Talvez isso não seja ‘exclusividade’ minha, coisa de ‘má atriz’ na vida – já que, para iniciante, não sirvo mais. Então, eu me dou conta que minha competência em algumas áreas faz com que eu me desagrade, profundamente, com um desempenho que fica apenas ‘na média’ (pra ser generosa, comigo mesma), em outras. Não me contento com pouco, quando se trata do meu desempenho. Eu quero sempre fazer o melhor, eu quero sempre inventar ‘a roda’ de novo, de novo, talvez, na tentativa de resgatar a poética da ciranda e reescrever roteiros existenciais em que a trilha era “O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”. Quer dizer, será que eu passei a vida toda tentando reinventar a ciranda? Bem.. se for isso, melhor resgatar o outro trecho da música e partir, dizer um verso bem bonito, dizer adeus e ir me embora. Ou, então, encontrar uma gaveta bem grande, com chave e tudo, e guardar a caixa da memória das cirandas, e jogar a chave fora, de preferência, no mar.

O anel que tu me destes,
Era vidro
E se quebrou.
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.
Ciranda , cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar.
Por isso dona rosa
Entre dentro dessa roda
Diga um verso bem bonito
Diga adeus e vá embora!

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