domingo, 24 de julho de 2011

Qual é o nome dessa criatura????




Meu problema hoje não é a vida, mas uma personagem sem nome que teima em se ‘aprontar pra sair’. Eu me preocupo, porque penso que uma personagem sem nome é uma personagem sem rumo... e acredito que deixar vir uma criatura assim é uma insensatez... é dispêndio de energia à toa. Certo, alguns me dirão que não, que eu posso deixar brotar e que a energia dela, no desenrolar dos fatos, na brotação das cenas, vai achar o rumo. Mas eu fico pensando que assim já é a vida e que me basta ter as minhas cenas e o meu caminhar assim... meio “andar de bêbado” – ah.. o livro indicado pelo Sensei Alfredo -.. me provocando à dedicação extrema, para reconhecer as probabilidades, a indicação dos rumos que se apresentam nesses movimentos aparentemente desconexos... Não sei... deixar vir uma personagem sem nome me parece uma irresponsabilidade...

Nesse sentido, eu sou um pouco lacaniana – referência ao senhor Jacques Lacan, pra quem não conhece. Entre tantas coisas interessantes, ele falava da importância do nome, que o nome já carregava um sentido, uma espera, eu diria, um destino. Claro que ele dizia isso de forma diferente, muito difícil, como era próprio para alguém que enaltecia o tempo todo o significante.. Tá. Não vou eu também falar difícil agora, que não é o caso aqui. Lembrei-me do Lacan só por causa da personagem sem nome... Não acho certo. Ela tem que ter um nome, mas ainda não sei qual. Eu a pressinto, tenho pistas da narrativa... sei os traços da sua personalidade, mas nome, nome mesmo... ainda não sei. Em algum momento, ela vai ter que me dizer. Assim que disser, escrevo a história dela. Antes, não. Ela que tenha paciência. É pegar ou largar. Diz o nome, eu escrevo a história; enquanto não diz, fica quieta. Não vive nada.

Tá, supondo que eu concordasse começar a escrever a história dela. Como eu a chamaria? Eu diria... apenas “ela”... não sei.. “ela” é muito vago, impreciso. Concordo com o Luís Fernando Veríssimo, que me disse uma vez, em uma entrevista que eu fiz com ele, na época da faculdade: “Personagem tem que ter R.G, C.P.F. e tudo. Tem que ter identidade, tem que existir de fato. Meus personagens são assim”. Claro, quem sou eu... aqui... lembrando o Veríssimo, há tantos anos... eu que nem consigo dar um nome pra personagem. Certo, mas não consigo porque ela existe e, por isso, não é qualquer nome que serve. “Ela” tem o nome dela. Eu só não sei qual é.

Talvez eu não saiba, porque entre as coisas que andei espiando que ela vai aprontar... estão várias com as quais não concordo. Não concordo mais, digamos assim. Sim, porque eu sou um ser de matriz folhetinesca. Então, meus personagens são dessa estirpe, brotam ‘sem medidas’, se soltam nas tramas... pois não é que essa aí nem o nome quer dizer? Que petulância. Se eu sou o ser que vai escrever a história, “ela” não tem nada que ficar lá dentro se debatendo.. inventando moda... e, ao mesmo tempo, se negando a me dizer o nome.

A questão é que o nome tem indicação de desfecho...e ela ainda está caminhando no escuro. É selva ainda na construção do romance, esse de que falo... brotação de personagem em estado bruto. Dá pra ver pouca coisa... mas será a floresta? Não, não pode ser... eu não vou escrever um romance na floresta, a menos que volte pra Amazônia e passe um tempo lá.. pra, aí sim, conseguir.. Não seria má ideia. Só a lembrança da Floresta Amazônica me enche de alegria, mas isso é inviável neste momento... Estou com a vida focada no Sul do Brasil, entre Caxias e Porto Alegre. Mas então, que raio de lugar é esse.. de onde ela vem?.. Ahhh.. parece que vejo um pouco mais claro.. simmmm.. pode ser..

Se ela me disser o nome.. em breve começo a contar...vamos ter que esperar...paciência. Assim como na vida, nas narrativas da ficção, as personagens também têm seus caprichos...ou seria que caprichosamente elas preparam as emoções... futuras? Pode ser.

sábado, 23 de julho de 2011

O homem que pode mexer nos meus cabelos....


Um dia, um dos meus filhos começou a bagunçar os meus cabelos (como se isso fosse preciso ou possível.. eles já são bagunçados por natureza) e eu o repreendi. Disse: “Não.. só quem pode bagunçar meus cabelos é Fulano”. Tá, não posso dizer o nome. O Fulano não foi consultado. Também não faz muita diferença pra você saber quem é Fulano. Fulano é uma incógnita, como “x”, lembra? Veja bem, eu disse “x”, que é um número preciso, específico, e não “n”... isso faz uma diferença, pra quem conhece um pouco da regra das incógnitas. Isso quer dizer que Fulano é alguém que existe, tem R.G., C.P.F., até passaporte... Sim, Fulano também tem passaporte. Não fiz nenhuma viagem internacional com ele, mas sei que tem passaporte. Fulano, claro, é alguém muito especial pra mim.

Eu conheço Fulano há muitos anos. Fulano é um espetáculo. Adquiriu a prerrogativa de mexer nos meus cabelos, porque adora meus cabelos, meus cachos. Penso que meus cabelos também o adoram. Eu adoro que ele adore. Sim, acho simpático que ele goste de algo que é tão característico meu. Costumo dizer que as pessoas que não gostam do meu cabelo dificilmente me entendem... Sou cacheada. Crespa. Às vezes mais cachos; às vezes mais crespos. Depende o dia. Na menina Luiza enamorada por tudo e todos.. os cachos contornavam o rosto, eram delineados pela mãe ou avó. Cachos, cachos, enroladinhos, formando espécies de túneis de segredos, de sonhos... Depois, a Malu adolescente encrespou de vez...deixou os cabelos crescerem... se rebelou, numa rebeldia ingênua, que só se soltou mesmo, mais tarde...na época da faculdade. Aí, sim, os cabelos cresceram e escresparam de vez.

Eu conheci o Fulano bem mais tarde... Meus cabelos ainda eram bem compridos, revoltadamente crespos... eram bem mais longos. Fulano é um homem especial. O jeito de olhar, de sorrir... Sério, do jeito que eu gosto. Justamente por isso, quando brinca, a brincadeira fica mais saborosa. Jeito de homem, homem, não de moleque! Fulano não é um qualquer. Fulano é o homem que pode mexer nos meus cabelos. E faz isso com maestria, desalinha, descabela.. acaricia...enrola...depois.... tudo de novo. Com Fulano, é bom se perder no tempo. Normalmente é o que acontece.

sábado, 16 de julho de 2011

Cinderela! Cinderela! Mas que mundo mesmo é o dela?


Gosto de escrever. Mais ainda de escrever sobre o que me emociona. O Grupo Gaia me emociona. Muito. É um grupo de dança de Porto Alegre, mas não é apenas um grupo de dança, o que já, por si só, significa muito. O Grupo Gaia é um grupo de pessoas densas, intensas, que põem na dança a expressão humana em movimento. O nome do grupo é sugestivo. Um grupo que se chama Gaia teria que ser assim, avassalador, como eles se mostraram, mais uma vez, hoje à noite, no espetáculo Cinderela Fashion Week!

Muitas coisas me encantam nesse grupo: a capacidade de reunir técnica e conceito, a aproximação das diferenças, a grandiosidade da expressão, o contágio de ‘afectos’ que se acionam quando ‘eles’ estão em cena. É sempre um gozo, uma alegria...vê-los voar ou calar...É interessante que, ainda quando ensimesmam e encarnam a densidade emocional tensa dos nossos dias, eles conseguem mobilizar, em nós, o prazer estético e nos fazem entrar em contato com sentimentos doídos ‘em estado de arte’. Então, porque - e só porque - ‘em estado de arte’... tratam até mesmo a substância que os faz existir.

Na passarela do Espetáculo Cinderela Fashion Week, diferentes subjetividades se expressam contrastantes. São ritmos e velocidades, alternando-se a exemplo das cenas contemporâneas das cidades. A convivência dos contrastes. A mutação constante. A fragmentação exacerbada que faz do sujeito ser dançante, convidado, o tempo todo, a ‘dar a volta por cima’. São cenas que também contemplam o sujeito fera, o ser que rasteja, que gira em si mesmo para se reinventar. Cinderela Fashion Week... na memória, cenas se misturam e fazem brotar os múltiplos caminhos internos acionados pelo, literalmente, ‘e-s-p-e-t-á-c-u-l-o’!!!!

Durante a apresentação, desfilam também diferentes humores, na caosmose pos-moderna de rupturas muitas. Humor, graça, riso, choro. O convívio entre o velho e o novo. Em meio à turbulência, a caixinha de música... os conflitos, os diferentes modos de amar, o abandono dos modelos cristalizados, o ato de despir-se, abandonar as máscaras e retomar as máscaras. Na convivência caótica, às vezes, retoma-se a repetição neurótica e, de repente, tudo se transforma em voo existencial, físico, na alma... a dança, em nós, também remexe as cinderelas internas, arcaicas, contemporâneas, na mescla das demandas cotidianas, tantas.

Depois... assim.. agora.. resta agradecer..o espetáculo tem uma potência mobilizadora de afetos que se destaca, nas produções contemporâneas que conheço. Sabedoria e alegria em corpo, movimento e pensamento. Adorei!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ideia que te quero 'idéia'


Há algumas coisas na vida que são difíceis de aceitar. Muito. Coisas que acontecem contra a nossa vontade e diante das quais temos que nos resignar. Tocar adiante, assimilar a mudança e seguir a vida. Não é nada confortável ter que engolir uma imposição existencial dessas, mas, fazer o quê? Nós não mandamos em tudo. Na verdade, mandamos em bem pouca coisa, ou, diria, pra ser mais exata, em quase nada... Bem, a situação a que me refiro é a mudança ortográfica da Língua Portuguesa, em especial no tocante à extinção do acento da palavra ideia.

Meu Deus! Quem teve uma ideia dessas? Por quê? A ideia com acento não incomodava ninguém. Ao contrário. Era uma ideia assimilada, a maioria das pessoas a aceitava como era, assim, com o acentinho ali em cima, marcando, destacando, pedindo a pronúncia aberta. Eu sei, sou uma jornalista, tenho que aceitar as normas da escrita, ainda mais as normas da Língua Portuguesa, que é a que adquiri primeiro. Não tenho que me rebelar. Como jornalista, sou uma guardiã das regras, para garantir o resultado maior, que é a boa comunicação. Regras e criatividade, experiência amorosa nos processos de escrita. Sim, eu preciso das regras, tento segui-las e vivo, no trabalho de supervisão de texto, ajustando dizeres dos outros às regras tantas, de várias gramáticas, verbais, visuais, audiovisuais, internéticas... ah.. claro, as da escrita científica também.

Também sei que as mudanças ortográficas foram resultado de muita discussão e que vêm como uma orientação maior. Tudo bem, mas não estou convencida da importância/necessidade de retirar o acento de ideia. O acento parece uma iluminação, a indicação de um devir realização e, nesse sentido, sem acento, a ideia parece perder a força... Eu gosto tanto das palavras que muitas vezes fico pensando na relação entre as suas dimensões de significantes e o seu sentido. Explico, cada palavra tem um som e uma grafia, que resultam no sentido que lhe é atribuído pelo grupo que a ‘cultiva’... então, nessa combinação, algumas parecem fazer mais sentido, em sua expressão física, som ou imagem das letras, outras nem tanto. Entendem? É isso que está se rompendo com a mudança ortográfica que retira o acento de ideia (eu não posso escrever com acento... mas... vocês sabem...tem que ler como se acento tivesse). O acento projetava a palavra, o sentido dela... sem ele, a ideia fica sem projeção, tem que se aquietar e se limitar às letras que a constituem, ali, ensimesmada no i-d-e-i-a. Isso não é próprio de ideia. Não é não.

Bem, eu sei que coisas como essas, que se interpõem em nossas vidas... dramas existenciais que rompem com nossos hábitos, nossas preferências narrativas, de inscrição na vida... são assim, compulsórias, porque fogem da nossa alçada, do nosso campo de decisão. Estão nas mãos do outro, das outras pessoas. A nós, basta refletir e seguir...aceitando e vivendo a adaptação ao rumo que a ‘prosa existencial’ tomou. Não era o que eu queria. Não era o que eu preferia, mas eu já estou bem grandinha pra me limitar a queixas e reclamos. Se não posso mudar, sigo adiante... incorporo no cotidiano. Ao menos, as minhas ‘idéias’, aquelas que vivo produzindo nessa prática cotidiana de invencionices...brotam com acento, com devires, com projeção para a realização. Depois... bom, depois não depende de mim... é o universo quem manda, a lei maior, a lei do Outro.

domingo, 3 de julho de 2011

Família que consegue gargalhar unida...



Estou com a cena na retina. Ontem à noite, em meio ao jantar em família, por um motivo corriqueiro, desatamos todos a rir... a gargalhar. Lembro que, ao mesmo tempo que me soltava às gargalhadas, em função do ocorrido, olhava cada um dos meus filhos e conseguia pensar: “Meu Deus, que espetáculo! Minha família unida no desequilíbrio do riso!”. Vocês sabem, eu sou uma criatura reflexiva. Então, tudo que vivo me serve para amadurecer, pensar... saborear a intensidade dos significados, em busca do ‘sentido da vida’. Assim, também uma cena familiar corriqueira instiga a reflexão, possibilita a emoção da vivência... convida a pensar o que há, na cena, que me diz que estou em outro momento. Ao menos, agora também voltei a desequilibrar no riso, não só no choro.

As pessoas que me conhecem mais de perto sabem que vivi, nos últimos anos, duros momentos, desafios imensos, dores inenarráveis (puxa, que palavrão..dores impossíveis de narrar, eu quis dizer). Enfim, tudo tem seu preço e tudo passa. Tudo tem um motivo, para fazer crescer, amadurecer, embora, claro, no momento em que se vive, nem sempre a gente compreenda. Entendo hoje bem melhor os caminhos dessas tortuosas linhas da vida... rumos que eu não pensei... não quis, mas tive que trilhar. Já disse, mas vale repetir: sei que existe uma ‘escrita maior que tece nossos destinos’. Não importa o nome que se dê: é o movimento cósmico, que conspira e nos faz girar; é Deus impondo seu Grande Texto... O certo é que é maior que nós mesmos.

Eu tenho sido, é verdade, uma leoa, para enfrentar tudo isso. Às vezes, parece que vou esmorecer. Tantas vezes, eu caio aos prantos, mas quando vejo meus filhos assim, como vi ontem, às gargalhadas... quando me sinto também, enfim, imersa numa cena de desequilíbrio pela alegria... eu reconheço a imensidão dessa Força Maior agindo e permitindo tudo isso. Que alegria! Meus filhotes estão crescendo e, com eles, meus desafios. Mas tudo isso é muito bom! É intenso. A maternagem é um dos meus grandes exercícios e sustentos existenciais.

O motivo das gargalhadas não importa muito. Era algo do grupo familiar. Às vezes, para alguém de fora não faz sentido, pelo menos não o sentido que faz pra nós. A graça toda vem do quanto nos conhecemos e nos misturamos. Há textos intuídos, submersos na rede de afetos que nos une. Olhares que desencadeiam frases internas, discursos antigos que nos produzem e constituem. É lindo isso! Nas famílias, há ‘cacos’ de frases, pedaços soltos que nos provocam pensamentos similares, lembranças de outras vivências. Isso vai nos amarrando numa trama de afetos pra vida inteira, nos fazendo parecidos em uma série de aspectos. E permitindo que nos reconheçamos, nas diferenças. Ainda: construindo o respeito por essas diferenças. Respeito e amor profundo, imenso, pra sempre.

Assim, os ‘filhos da Malu’ têm um vocabulário comum. Eles também se unem para ‘falar de mim’, como a ‘grande chefe do clã’, para tentar subverter o meu poder, para brincar com meus jeitos e trejeitos, minhas manias e frases prontas: “É o final dos tempos! O mundo acabou e esqueceram de me avisar? Tá se comparaaando a mim?”. Eles repetem as frases, zombando de uma prática de quem se esforça para botar ordem no grupo. Sabem que eu me debato, na vida, para fazê-los pessoas do bem, que sou cheia de defeitos, mas amorosamente esforçada. Eles também têm a segurança do meu afeto, o que permite brincar, às vezes – nem sempre, porque a italiana aqui é também uma fera, uma leoa. Mais que ninguém, eles também sabem disso, com certeza.

É engraçado... Uma pessoa como eu estudar tanto coisas de Psicologia da Comunicação e, depois, vivenciar todas na pele...Nem sempre é engraçado, mas ontem foi. Muito.