sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Óculos são seres sensíveis!



Meus óculos são seres sensíveis. Acordaram ontem em crise. Uma das lentes estava se soltando... Uma crise existencial, imagino. Não sei se porque os encontrei jogados em meio à roupa de cama. Muitas vezes, quando estou sozinha, acabo adormecendo de óculos. Já pensei nisso. Acho que fico com medo de não enxergar bem nos sonhos. Sério. Fico com a sensação de que, se dormir sem óculos, vou sonhar ‘sem óculos’ também. Bobagem, com óculos também não enxergo. Tanta coisa que me passa batido no dia a dia. A imagem. O olhar. Os espelhos humanos. Essas são questões muito caras pra mim, muito especiais, mas, ao mesmo tempo, sempre armadilhas humanas, justamente porque têm um vínculo direto com o mundo dos afetos.

A imagem pode ser pensada como composto de características visuais, na sua dimensão mais técnica, mas prática, mais concreta. Muito além disso, o plano de significação se constitui na trama afetiva que os feixes informacionais dessa imagem constituem. A trama dos afetos, do que afeta o sujeito ‘olhador’, para citar a expressão de Marcel Duchamp. Aí, pra variar, a coisa complica. Na USP, em disciplinas com Eduardo Peñuela Canizal, um dos meus mais queridos gurus intelectuais, eu tive contato com a poética das mensagens não verbais e a ilusão especular e o mito de narciso, em dois momentos do mestrado e doutorado que considero momentos ímpares. Entre tanta coisa que aprendi, refletindo sobre imagens e suas significações, uma delas tem significado especial: na imagem, a não nitidez remete o sujeito ao inconsciente. O que não é totalmente nítido, gestaltico, insinua e aciona instâncias internas do plano dos afetos do sujeito receptor, provocando sensações que interferem na significação da imagem.

Assim, se a não nitidez remete o sujeito ao mundo do inconsciente, entendi também que existe toda uma lógica no fato de que sou muuuuiitttooo míope. Então, pensem o que quiserem, em mim, até a miopia é conceitual, tem uma consistência conceitual, que é coerente com essa minha tendência ao abstrato. Não teria lógica que eu enxergasse tudo nítido. Não é da minha natureza. Claro que às vezes exagero e ponho lentes muito particulares, especiais, que encantam as cenas. Faço de uma cena simples ou fala espontânea, por força do momento, um ‘episódio existencial’. A fala aciona uma trilha de sentimentos, que provoca um fio narrativo. Talvez por isso também trabalhe com publicidade. Um filtro de água é um filtro de água, tem suas funções de filtro de água e tal... características técnicas. Segundo a publicidade, um filtro de água representa o carinho que você tem pelos seus filhos, o cuidado com a saúde deles. Sua preocupação com qualidade de vida. Enfim, a publicidade põe as lentes do valor emocional agregado e isso gera um certo encantamento pela coisa publicizada.

Por sorte, também tenho minhas zonas de nitidez. Meu motor prático operacional acionado que me faz voltar ao prumo, meu lado empresária e de planejamento. Então, entendendo que andei me descuidando com as imagens, me soltando muito no mundo do inconsciente, fui ao oculista. Bingo. Meus óculos estão fracos. Óbvio, como eu deixei isso acontecer? Como deixei tanto tempo sem renovar? Talvez seja minha meninice arraigada e a ideia (ilusão) de que o mundo do inconsciente pode trazer de volta alguma coisa perdida, uma cena. Não pode. Mundo inconsciente é como mundo virtual. Simula, provoca, insinua, mas não entrega. Então, na imagem e na vida, penso que é importante combinar. Não dá pra viver só um ou outro. Por via das dúvidas, já encomendei óculos novos... talvez isso ajude alguma coisa...

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