sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Louco e a Solidão




Sai correndo do hospital, atravessa a rua – quase é atropelado – continua correndo na outra calçada, até que se choca com uma senhora de uns 60 anos mais ou menos – que vinha carregada de pacotes, pois acabara de sair do supermercado.

Com o incidente, ele parece ter adquirido uma calma, inexplicável enquanto a senhora se enfureceu completamente. Ele se levanta lentamente e se põe a olhar a senhora, que mal podia se por em pé de tanta raiva. Não dizia nada. A mulher esbravejava:

- Você não olha por onde anda? Olhe só o que fez. Todas as minhas compras... tudo. E nem ao menos me ajuda a pegar. Pior que isso, fica me olhando com essa cara de... de nada. Como é... não vai responder?

O louco não responde. Continua olhando a senhora que cada vez ficava mais nervosa. Depois de algum tempo, enquanto algumas pessoas que passavam resolveram ver o que tinha acontecido ou, mesmo, ajudar a recolher os pacotes, ele disse:

- A senhora sabe quem é o culpado da solidão no mundo?

A velha se indignou.

- Solidão? Isso é hora de falar em solidão?

- Solidão não tem hora dona, aparece. Assim como a senhora na minha frente. Assim... de repente. Aí parece que sempre esteve no mesmo lugar.

Ela interrompe.

- Quer parar de falar bobagem! Em vez de ficar aí falando todas essas bobeiras, por que não me ajuda a pegar esses chocolates que comprei para os meus netos?

- O culpado é o sol. Ele é o culpado da solidão do mundo. É um mal exemplo. O seu brilho... sozinho. É um mal exemplo. Se pudesse, eu terminava com ele. Com sua pompa.

- Olha aqui, rapaz. Eu não tenho tempo a perder com você. Vou andando, porque já estou atrasada.

Ela sai andando, procurando ajeitar novamente os pacotes. Ele muda de direção, para acompanhá-la, e continua falando ...

- Sabe, algumas pessoas são como ele. Acham que tem luz própria, que brilham por si, que não precisam de ninguém porque, sozinhas, já são o centro de tudo. Não tenho dúvidas, minha senhora, a culpa é dele. Do seu mal exemplo. O Sol...Grande coisa!!!!
Ela agora entra no assunto, mas tenta rebater os argumentos dele.

- Olha, acho que você, um rapaz tão moço, ainda não devia se preocupar tanto com a solidão. A gente só é sozinho quando quer. Veja meu caso....

- Justamente – interrompe o louco. O seu caso. É um caso típico de solidão não assumida. A senhora já pensou no quanto é sozinha?

- Eu?! Sozinha? Não. Você está enganado. Tenho meus filhos, meus netos. Meu marido não tenho mais, porque Deus levou, mas enquanto ele viveu fomos muito felizes.

Sempre fui muito amada. Não. Eu, sozinha, não. Os meus filhos, meus netos. Não.
Neste meio tempo, o sol que estava escondido por umas nuvens reaparece e o louco tem uma crise. Começa a gritar.

- Prendam-no! Prendam-no! Guardas, venham todos prendê-lo. Ele é o culpado deste crime terrível. É um mal exemplo.

As crianças não devem vê-lo mais. O mundo não pode continuar sendo um ninho de solidão.

Atirou-se no chão e continuou gritando, até que chegaram alguns atendentes do hospital e o levaram de volta. A mulher ficou estática durante algum tempo e depois seguiu para sua casa. Quando chegou, seu genro estava no portão e veio encontrá-la gritando.

- D. Maria, eu já falei pra Beti que nem pra ir no mercado a senhora presta mais. Demora duas horas. Não adianta, lugar de velho é dentro de casa.

A filha dela sai e continua o que o marido tinha começara.

- Será possível mãe? Faz um tempo enorme que estou esperando as comprar para fazer o jantar. O Carlos precisa sair. Será que a senhora só serve pra comer, dormir e fazer crochê?

Ela ouve tudo calada. Entra em casa. Senta no sofá da sala. Eles continuam a reclamar, até que ela interrompe.

- Vocês sabem quem é o responsável pela solidão do mundo?

- Que é isso mãe isso é hora de falar em solidão?

Ela abaixa a cabeça e responde – como quem aprendeu mais alguma coisa.

- Solidão não tem hora, aparece...

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