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Casa da gente é morada, é templo, é texto de vida. Tenho
dito que ‘tudo é texto’. E foi essa ideia que me assolou quando cheguei em casa
hoje, no Solar Cardinale de Caxias do Sul. Percebo que sigo me sensibilizando
pelas singelezas do cotidiano, apreendendo, nessas minúcias, narrativas
existenciais. Tem sido assim, sempre. Com
a sensação de hoje, me dei conta que reside em mim, aconchegada, a menina de
antigamente, que se detinha, tempos e tempos, olhando as miudezas das casas da
vó, da nonna e da mãe. Nas nuanças da simplicidade das rendas, das plantas, das
flores cuidadosamente arrumadas, as louças, as fotos espalhadas pela casa...
cada coisa era parte de um texto, de vários textos, que contavam histórias. Na
casa da minha mãe, ainda é! No interior de São Paulo, na cidade de Guarantã,
cada vez que visito minha mãe, entendo que a casa dela é um templo, um canto de
contemplação da vida, de aprendizado e de renovação espiritual. A casa della
mamma! Ali eu revejo a minha própria história, da mamma Rita, dos ancestrais
todos italianos, também reencontro a condição de gestação dos bapiús, eu e os
manos, e suas brotações.
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Percebo que fui, aos poucos, também, me compondo em ‘textos
de casa’, ‘textos de vida’, no meu caso, agora, de duas casas, que tenho a
graça de ter, dois Solares Cardinales, um em Porto Alegre e outro em Caxias do
Sul. Minhas casas são também meus textos de vida, têm um tanto (ou muito!) do
meu jeito, das minhas próprias histórias inscritas nos detalhes, as viagens
tantas, também as viagens imaginárias e a minha relação com os personagens, os
meus e os de outros seres ‘criadores de gentes, na literatura e na vida’. Personagens
e autores sempre foram grandes companheiros para mim! Permanecem sendo, a tal
ponto que geraram uma espécie de usina de brotação de ideias de projetos de
investigação e criação em Comunicação e de gestação de outros personagens. Eu
mesma fui me autorizando a ser autora do meu próprio texto, inscrevendo-me em
personagens tantos, que começam com as próprias leoas, a quem agradeço aqui.
Meus personagens estão soltos pelas minhas casas. Se você, um dia, me visitar,
certamente poderia encontrar um deles... soltos, também se sentindo ‘em casa’.
Minhas casas trazem inscrições do meu inconsciente,
expressas em materialidades que deixam escapar traços de singularidade dessa
criatura que se fez gente, assim amorosa, assim batalhadora, assim um ser forte
e doce, que se empenha todo o tempo em flor-e-ser, em florescer... entregar-se
a flores e seres, cultivando amorosidade. Percebo que cultivo seres, assim como
cultivo a mim mesma, todos os dias, tentando melhorar, tentando ser melhor nos
detalhes, tentando aprender a ser mais calma, mais amorosa, mais cuidadora,
mais paciente, também mais forte e mais valente, para que ninguém confunda
amorosidade com fraqueza ou fragilidade. Eu já entendi que estou bem longe da
fragilidade, porque quando revejo minha história de vida, penso que poucas
pessoas teriam sobrevida a algumas situações que superei. Momentos de altíssima
pressão.
Reconheço que caminhei por abismos existenciais, no fio fino
da esperança e fé, que me possibilitou saltar do outro lado. Assim, também, atravessei
grandes tempestades, sob rajadas de ventos, escapando de grandes desabamentos,
de mim mesma, tantas vezes. Talvez por isso mesmo, tenha chegado a esse ponto
assim, ao mesmo tempo amorosa ao extremo e com poucas reservas de paciência,
para agressões e descasos. Preciso muito de calma e paz, de estar em calma e
serenidade, em paz amorosa. Não tenho mais muitas reservas emocionais, porque
sempre estive ‘no limite’ de mim mesma, oferecendo o meu máximo. Hoje, me
reconheço. Entendo que não sou linear, sou complexa, ao mesmo tempo que a
simplicidade me encanta, principalmente nas pessoas, na natureza e nas relações.
Quero ser quem sou, plena e intensamente, senhora da minha idade, do meu corpo.
Quero roupas simples e bonitas, do meu jeito, do modo que entendo me mostra
melhor, por inteiro. Sou, ainda, um pouco a menina do interior de São Paulo, e
também sou mãe de cinco filhos, jornalista, cientista, envolvida com produção
de conhecimento nas áreas de Turismo, Comunicação e Subjetividade, na
perspectiva ecossistêmica da vida, entre várias universidades e pesquisadores.
Sou poeta e escritora. Sou Mulher, Malu Mulher! Olhem só, meu apelido ‘Malu’ se
transformou em uma das minhas marcas mais fortes e hoje me dou conta que essa
denominação surgiu na época da minissérie da Rede Globo, Malu Mulher, que
apresentava uma mulher separada, que enfrentava a vida sozinha, tentando criar a filha e ‘começar de novo’.
Todas essas elucubrações me foram possibilitadas pelas
reflexões às voltas com minhas duas casas. Nesta semana, um amigo visitou o
Solar de Porto Alegre e disse que a casa é um texto. Um texto, não. Muitos
textos. Ele tinha os olhos brilhantes, estava sorridente, envolvido com os
detalhes do lugar, a estrutura arquitetônica labiríntica do apartamento e o
curioso amontoado de detalhes que me inscrevem, que contam a minha idade, as
minhas histórias, as vidas tantas entrelaçadas na família, nos relacionamentos
vários, entre alunos e amoramizades. História de alegrias, de dores e também de
amores. Não seria diferente, sendo eu quem sou. Em meio às nossas conversas sobre temas e teorias variadas,
ele se lembrava de alguma coisa e dizia: ‘nós temos que fazer uma festa aqui!”.
Fiquei feliz com a reação dele e, ao mesmo tempo, achei curioso o fato de
alguém se encantar com um lugar que tem também tanta expressão de sofrimento,
com o tempo. Em vários cantos e recantos, o apartamento ainda demanda muitos cuidados
especiais, precisa de reparos, que não pude fazer, durante uma longa fase da
minha vida, em função de estar voltada para apagar ‘incêndios cotidianos’, com
ocorrências familiares, de uma turminha de quatro filhos pequenos. Passei a
maior parte da vida sozinha, para atendê-los, para resolver os problemas
cotidianos, questões de saúde, a avalanche de tarefas e necessidades. Tudo foi
tanto, tudo foi tão intenso, que precisei até mesmo, em certo momento,
desterritorializar, gerar uma brotação do Solar, da Pazza Comunicazione, da
minha vida e migrar para Caxias do Sul, onde fui trabalhar na UCS.
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A chegada no Solar de Caxias hoje me mostrou que produzi
aqui uma dobra, um des’dobra’mento de mim e da casa. Eu me desdobrei,
literalmente, por amor, por um amor especial e pelo amor aos filhos, buscando
‘sobre-vivência’, em sentidos vários. A casa aqui floresceu, o texto de vida
floresceu, a Malu floresceu, o Amorcomtur floresceu e o amor em mim só
aumentou! O tempo, em mim, fez consolidar os substratos de amorosidade que
construí, me ensinou a seguir semeando e a aceitar o que em mim brotou forte,
com a profundidade de laços que enredam lindamente vidas e vidas, textos que
transversalizam vidas, vidas que se fazem textos, se fazem casa, se tornam
histórias... de amor, claro, com seus caminhos e descaminhos, mas histórias de
amor sempre. Eu também aprendi, vivendo, que histórias de amor nem sempre têm
os desfechos esperados, mas seguem sendo lindas, seguem sendo histórias, seguem
valendo a pena. Assim, sigo.