Uso óculos há muitos
anos. Miopia é a principal causa. Eu, que sou amante das metáforas e de
reflexões sobre a subjetividade, fico pensando que a miopia tem também a ver
com características emocionais. Lembro-me do professor Peñuela, que nos
ensinava, na década de1990, na USP, que as imagens não nítidas têm a ver com o
inconsciente. Onde não há nitidez, na imagem, há o inconsciente do criador e do
receptor. Ali, inconscientes se encontram e produzem novas significações. Suas
aulas eram encantatórias e, naquele tempo, eu entendi que faz muito sentido que
eu seja míope, já que eu vejo a vida, o mundo, as pessoas, com os olhos do
coração e isso me dá um ganho de intensidade e, tantas vezes, uma perda de
nitidez, de 'clareza'. Percebo que, ao longo da vida, fui aprendendo a dosar
essas duas tendências, por precaução, amadurecimento e autodefesa.
Quando começo a pensar
nesse assunto, lembro-me sempre, também, da linda canção de Luis Carlos Borges,
que diz: “me quebrou o vidro dos olhos, me fez chorar, me fez chorar. Quem o
vidro dos meus olhos vai agora remendar?”. Ouvi essa música, pela primeira vez,
em um sho do cantor e compositor, em um bar em São Paulo, cujo nome era também
emblemático: “Vou Vivendo!”. Na época, fazia a pós-graduação na USP e, mesmo
sendo paulista, depois de ter vivido um tempo no Rio Grande do Sul, já me
sentia um pouco desgarrada dos pagos... sentia saudade do Rio Grande do Sul.
Juntando a isso o fato de que era casada com um gaúcho, também amante da música
gaudéria... enfim.. fomos ao show.
Quando Luis Carlos
Borges cantou essa música, fiquei impactada. A letra me provocava a pensar,
para variar. No caso, fiquei pensando que minha característica de chorona,
então, poderia ser porque alguém ‘me quebrou o vidro dos olhos’. Já tinha
entendido, no entanto, que isso não era verdade. O choro, em mim, assim como o
riso fluem soltos, sem muitas travas capazes de conter. É bom não provocar,
mas, tantas vezes, mesmo sem provocação, eles brotam naturais. Choro e rio por
qualquer coisas. O choro, no entanto, é traço mais conhecido. Choro com
comercial de tevê, a fala de um filho, o olhar de uma aluna, a voz de uma amiga
distante, o simples encontro com os olhos com meus amores, na vida. Choro com
lembranças, com músicas, já chorei em parada de ônibus, no Banco o Brasil (!),
em despedidas, então, bom... aí nem se fala. Choro às vezes porque me olham; em
outras, porque não me veem. Choro também de alegria, choro porque, muitas
vezes, a emoção me diz que a vida vale a pena. Já chorei imensas vezes olhando
a floresta amazônica e aprendiz com ela mesma que a chuva também é natureza e
que o choro é chuva em mim, tem a ver com a minha natureza.
Os olhos e, nesse sentido,
sua extensão, os óculos têm sido tão importantes na minha vida. Muitas vezes, ao
me deitar, pego óculos antigos, para seguir assistindo ao programa de tevê.
Caso adormeça, já estou de óculos, com lentes antigas, que me acompanharam por
longo tempo, lentes mais sábias. “Só eu mesma!”, rio sozinha, desse meu
pensamento. Também penso que durmo com esses óculos antigos para não correr o
risco de não enxergar os sonhos, de não saber quem são as pessoas que estão nos
meus sonhos e o que estão buscando, de não compreender as cenas, as vivências.
A pretensão da pessoa querer interpretar o próprio sonho, enquanto sonha! Enfim, amo também as pessoas que conseguem me
encontrar nos meus sonhos. Entrar no meu sonho já é uma marca de significação,
pra mim.
Olhos, óculos, sonhos,
choro... enxergar pouco ou muito, encontrar os olhos das pessoas e as variações
de luminosidade da vida. Tudo isso me toma o pensamento e o coração, o
sentimento, por tantas vezes. Hoje, a retomada da temática se deu, porque tive
que correr à ótica, porque meu óculos se quebraram! Uma das lentes se
desprendeu, na lateral, por falha na solda. Lente solta, variações da imagem.
Talvez sejam as mudanças no meu modo de olhar, que se associam ao aparato
material (os óculos), pelo qual vejo as cenas tantas, motivo dessa
transformação. Reflito, então, que preciso me dedicar ao ajuste dos óculos, dos
olhos, do coração! Mais do que perguntar quem quebrou meus óculos ou de me
repreender por tê-los deixado se quebrar, penso que preciso agir, ajustar as
lentes, o aparato, o olhar, a visão, a emoção.
Na ótica, a moça me
disse que não vale a pena soltar o que foi quebrado, é melhor trocar a armação!
Fiquei pensando que isso também é um texto, metafórico, visual, existencial. Em
grande parte das situações, não vale a pena soldar o que foi quebrado, é
necessário conquistar ‘novas armações’. Rio sozinha, pensando nas múltiplas
relações... e, como sempre, sigo Viagem. Até a próxima!
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