segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bem-me-querer-bem!

Nossas histórias vão se desenvolvendo e tecendo uma espécie de teia, de filtro invisível, através do qual vemos o mundo. Assim, cada cena nova, cada diálogo, cada episódio, amor, desamor, micro incidente cotidiano, cai nessa teia existencial e vibra, acionando conexões muitas, para encontrar o seu lugar, para fazer sentido. Rapidamente, a vivência vai sendo processada e classificada, em função de dados visíveis e invisíveis, passíveis de serem descritos e inenarráveis. Há um mundo abstrato que interfere, decisivamente, nos processos de significação.

Com o tempo, vamos entendendo que a narrativa da vida, a grande narrativa, vai acumulando fios na nossa existência e que nem sempre esses fios nos dão suporte para seguir adiante. Alguns, quando retomados, enroscam, enosam, viram ‘nós’ existenciais que incomodam, nos amarram ao passado e a alguma prática não agradável. Não valem a pena.

Eu sou do tempo do videocassete, um aparelho de gravação e reprodução de audiovisuais, que permitia avançar ou retroceder. Para retroceder, era preciso rebobinar a fita, o que nem sempre dava certo. Às vezes, quando a fita estava gasta, enroscava, travava. Era preciso abrir o videocassete, tirar a fita que estava toda enroscada ou até... arrebentada. Assim penso que ocorre com algumas histórias gastas na vida da gente. Mesmo sendo histórias com cenas bonitas, belos episódios, já conhecemos o desfecho ou, ao menos, a tendência. Elas nos roubam do cotidiano e aprisionam na tentativa, ilusão, de resgate, de retomada do sonho vivido, quando os momentos foram bons. Em vão. O passado está no passado. É o óbvio, mas nem sempre fácil de aceitar.

Aos poucos, a vida vai se tornando longa, as histórias muitas e repetidas. Puxar o fio da ‘memória’, consciente ou inconsciente, enredar, construir enredo, mirabolando novos desfechos é apenas arrogância de roteirista iniciante, que somos. Nos grandes desfechos da vida, temos pouca influência. Temos a nossa parte para fazer, mas isso é viver em cena, não roteirizar. O Roteirista é outro, neste caso, insubstituível. Faz-se, então, o possível e, mais que isso... o máximo que conseguimos para não decepcioná-lo. Venho, ao longo dessa vida (das outras também, imagino, mas isso não me lembro conscientemente), me debatendo para seguir a risca o texto, o ensinamento.

A essas alturas, tenho muitas histórias acumuladas, de amor e desamor. Sim, porque todos temos roteiros internos também de sofrimento, como despenhadeiros cheios de armadilha, para nos roubar da cena cotidiana e fazer-nos em frangalhos, diante de episódios atuais. Às vezes, uma fala, um gesto, um não gesto, um riso ou não riso, um detalhe... um filme, qualquer coisa pode acionar, em nós, esses enredos indesejáveis que nos levam a ‘feridas’ internas. Por sorte, tenho aprendido a deixar alguns dos ‘nós’ do passado... no passado. Nem sempre consigo, mas sigo tentando. Meu olhar está voltado para o que pode me dar alegria. Não aceito nada que não seja da ordem de bem-me-querer-bem!

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