domingo, 10 de junho de 2012

A SEQUÊNCIA...AS LEOAS...


Dra Cardinale: O que vocês não entendem é que as duas estão certas e erradas... a questão é a medida. A medida da paixão, como diria Lenine, na linda música, a intensidade das coisas vividas, da entrega, do amor, na contenção, da obstinação...a dificuldade de saber ir embora, quando se quer ficar... de ser dura com quem se ama... de saber ‘ler palavras duras’ com o dicionário do outro. Os filhos talvez ajudem também nesse sentido.. a aprender que o amor tem que ter limites, porque o não limite é abandono ... de si e do outro. O não limite é o maltrato. O não limite leva à destruição mútua e da própria relação. O não limite é a barbárie, como eu tenho ressaltado. Esse limite tem que ir sendo construído, com ternura e firmeza, ao mesmo tempo, pra não fazer arrebentar o substrato amoroso.

http://www.youtube.com/watch?v=YLkEDVoGz7M

Malu: Agora estou perdida.. muito lindo, vocês duas... cheias de teorias e racionalizações. Limites, limites, limites, paciência, paciência, paciência... isso meus alunos têm razão: na prática, a teoria é muito outra. A construção do limite essa, às vezes, é que é uma absurdidade e destempera, desencanta, desalenta, desatina... tudo ‘des’..desmancha também o que demora pra ser construído dentro da gente. Se eu for por aí.. eu desisto.. ‘ des-existo’ .. é isso o que vocês querem, imagino. Se o limite for exagerado, tudo trava, abruptamente.

Dra Cardinale: Você é a jovem adulta, em nós. Realmente, não faz mais muito sentido continuar agindo ‘como se não houvesse amanhã’. Não há mais tempo para isso.

Malu: Como se não houvesse amanhã? Agora não sou eu mais a doida. Vocês é que enlouqueceram. O que eu mais tenho feito é ser paciente.. é aguardar.. fazer tudo na direção que quero, mas também esperar que o Universo me dê respostas, que sinalize para onde vai a vida, até porque já sei que não mando nada mesmo.

Maria Luiza: E nem tem que mandar. Só tem que se controlar, conter, fazer o que tem que ser feito e pronto. O resto é perfumaria e delírio de adolescente tardia... Você tem que, finalmente, se despedir, desistir, sim, do que tem que ser deixado. Não desistir do essencial.

Malu: Ah.. ótimo. E quem decide o que é essencial? A senhora ou a Dra?

Maria Luiza: Você é que não é. Pelo menos não decide sozinha. Olha em volta. Para e pensa. Relembra, mas não só o que te dá alegria lembrar. Lembra tudo. As coisas estão se decidindo por conta. Você só tem que aceitar.

Malu: mas é isso que eu digo. Quando eu aceito, me aquieto, sossego, alguma coisa acontece e tudo se revira, tudo muda, parece que volta.. parece que brota dentro de mim...

Maria Luiza: você é um poço de amor a céu aberto! Nasceu assim. Pra isso mudar, tem que morrer. Não há racionalidade que aplaque. Você não se aquieta, não arrefece, o amor em você não passa, só permanece. O que acontece é que, em alguns momentos, você me deixa tomar a frente. Aí seguimos fazendo o que tem que ser feito... o básico, tipo tubinho preto da existência que, no nosso caso, já é gigantesco, em função do tsunami de tarefas.

Malu: É isso que não aceito: o básico. O básico é morno. Morno é pouco. Já esgotei a paciência!

Maria Luiza: Paciência, se esgotou. Esse é um dos seus problemas. Você vê o tempo passando e pensa que ainda não fez tudo o que gostaria... vê que daqui a um tempo vamos pra outra dimensão. Não compreende que não temos controle sobre isso, nem sobre muitas outras coisas. Só podemos fazer o que precisa ser feito. Serenar e pensar na ‘grande tarefa’.

Malu: Vai me desculpar, mas a senhora não tem sentimento. Se não compreende o que eu sinto eu não sei de que matéria é feita. Sei que não é a minha.

Maria Luiza: Tenho. Tenho sentimento. Sentimento de autopreservação.

Malu: Isso não basta. Estou cansada de olhar em volta e ver as pessoas infelizes, porque têm feito o básico. Eu não tenho vocação para depressão, nem para o básico. O básico é pouco. Não vou cruzar os braços e ligar o piloto automático. Não me acostumo com a pasmaceira de uma vida morna.

Maria Luiza: Morna ou não, tem que se voltar para o possível. Para o que tem que ser. É só isso que você pode, que eu posso, que a Dra também e... a torcida do Flamengo, todo mundo.

Malu: Mas não mesmo! Pode esquecer que vou me sentar dentro de mim mesma e ver a vida passar... navegar, sem assumir meu lugar no ‘eixo’ que me faz viva...

Maria Luiza: O teu lugar, pode; não pode é assumir o dos outros. Faz a tua parte e pronto. Cada um entra em cena com seu texto e faz o seu melhor.

Malu: Droga! Tudo é muito lento...

Dra Cardinale: O Universo, Malu, o Universo.. ele tem seu tempo.. o tempo cósmico. É sabedoria compreender que ele se movimenta como tem que ser... o vento... o sol...a gestação de novas vidas, de novos projetos, acontecimentos...de devires outros... não há como acelerar, nem interferir.

Malu: Meu Deus, a senhora fala... faz sentido, mas tantas vezes parece insuportável esperar...deixa... porcaria!

Maria Luiza: Não adianta, doutora. Passei a vida dando discurso pra essa criatura. Ela é empacada, teimosa, insistente... resistente....impaciente, impossível, insaciável, inconstante, impulsiva....

Malu: Sou a parte realmente viva dentro de vocês. Só isso. Vocês são couraças de defesas, distantes do que efetivamente nos faz feliz. Parece que vivem para me paralisar, quando eu quero saltar.

Dra Cardinale: Não é assim, Malu. A felicidade não é um salto no escuro, em direção ao mar alto. Você sempre corre o risco de encontrar os rochedos, antes de tudo. Diga-se de passagem, em geral, é o que tem acontecido. Pedreiras, geleiras, ferro e fogo. Já é tempo de aprender a saltar, metaforicamente, intelectualmente, já que fisicamente penso que não vamos saltar mais... Para isso, passou o tempo de aprender, e a coragem, neste caso, parece ser matéria inexistente em nós. Arriscar, ter coragem de ir adiante, avançar em direção aos desejos, aos sonhos, tudo isso é saudável, se não for feito de uma maneira suicida. Somos seres que acumulamos muitas dores, medos, sofrimentos. Temos marcas de abandono e pouco caso. Justamente por isso, seguimos nos quebrando na vida. De onde você está, tão perto de sentimentos profundos, tão embriagada deles, há a vontade de não sentir mais nada disso, mas, ao mesmo tempo, você se perde, buscando sempre a confirmação do que conhece. Precisa aprender a não aceitar maltrato, seja de filho, de mãe, pai, homem amado, seja lá de quem for. Precisa aprender a desapegar-se a despedir-se, quando tem que ser. Eu venho te dizendo: o mundo é grande. Tua matriz é amorosa e generosa. Como escrevemos, esses dias: e haverá, então, um mundo de flores, de margaridas brancas, mostrando que a ternura, a união entre as pessoas é possível, mesmo e por causa das suas imperfeições e, ainda assim, haverá beleza, porque a felicidade e a beleza são simples, singelas, ternas e, deste modo, podem ser duradouras, ainda que não eternas.

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