sábado, 16 de junho de 2012

LEOAS E A INUNDAÇÃO ...


Maria Luiza: E aí moça, resolveu inundar Caxias do Sul?

Malu: Hum, se vai começar com ironia, é melhor não conversarmos. Não estou com humor suficiente pra aguentar você tripudiando.

Maria Luiza: Não é isso. Estou tentando te chamar a atenção para esse derrame de lágrimas. Você parece uma cachoeira. Daqui a pouco, alguém vai te indicar para resolver o problema da falta d’água do mundo. De onde você tira tanta água?

Malu: Tô dizendo, agora você resolveu ficar engraçadinha. Isso é típica fala minha. Acho que estamos nos misturando: eu ficando mais séria e você mais brincalhona.

Dra Cardinale: Essa é a grande transformação necessária. Achar o meio tom, a mistura dessas diferenças. Encontrar a dosagem.

Maria Luiza: Bom, mas aí já é pedir demais, doutora. Meio tom. Dosagem... são palavras que não combinam com a moça aí...essa maluquinha de plantão o tempo todo.

Malu: Nem tão maluca mais.. nem tão eu mesma, na matriz. Não sei. Algo parece que trincou.

Dra Cardinale: Você já sabe o que é. Nós já sabemos.

Malu: Sim, eu sei.

Maria Luiza: Como você mesma diz: “pedreira”. Os acontecimentos não são fáceis, mas o ensinamento é grandioso.

Malu: Beleza. Uma beleeeza ouvir isso: “o ensinamento é grandioso!”. Isso muda o quê mesmo, no que eu tô sentindo? A minha parte eu quero em outra ‘moeda’. Ensinamentos grandiosos não estão me ajudando agora....

Dra Cardinale: Não faz assim, Malu. Não fala bobagem que agora já é madrugada. Falar bobagem de madrugada é começar o dia ‘bobageando’... Tenho certeza que você sabe que, se não fossem os ensinamentos que temos em nós, seria tudo mais difícil. Faz muita falta compreender o que vivemos. Lembra há alguns anos, quando você se debatia, sofria imensamente, por não dar conta de compreender a cena... Lembra do sonho da cegueira parcial, que ia se modificando? Lembra?

Malu: Lembro, claro que lembro. Sonhei que tinha ficado cega parcialmente. Andava na casa, enxergando pedaços da cena; às vezes uma coisa, às vezes outra... a cegueira essa ia se modificando... como se fossem sendo apagados trechos da cena...com uma lógica que eu não entendia. Na época, eu só conseguia entender que a cegueira não era física... era uma cegueira emocional, considerando coisas que eu não conseguia enxergar.

Dra Cardinale: Pois é. Só que, como diz Saramago, "Cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos veem o que querem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedra, e altas proas."

Malu: Só pra lembrar...eu tenho os olhos míopes...em 'sentido amplo'.

Dra Cardinale: Sim, eu sei, mas hoje você enxerga muito mais, apesar do aumento da miopia dos olhos. Conseguimos viver as cenas e compreender o que estamos vivendo, como se fosse outra cena. É melhor, apesar de sofrermos em função do quanto compreendermos, é melhor.

Malu: Melhor pra quem, cara pálida? Eu vejo coisas que não quero ver. Entendo outras que não gostaria de entender. Leio textos subjacentes, compreendo discursos não ditos, substâncias informacionais ainda sem forma, como a senhora explica.

Dra Cardinale: Então. Isso é bom. Compreende dimensões sutis da comunicação. Isso é ótimo.

Malu: Bah, um espetáculo mesmo. A senhora tem razão. É só fazer uma lista das informações recentes que eu obtive que vamos ter que discutir o seu conceito de ‘ótimo’, já que a senhora adora tanto... conceitos e teorias.

Maria Luiza: Olha, a questão não é essa. A questão de hoje é que você tem se desmanchado em lágrimas, mais que o normal. Normal, eu digo para um ser humano assim... normal, digamos. Teu caso já é excepcional, mas na excepcionalidade você tem extrapolado. Então, tem que parar de ficar parecendo a menininha fragilzinha, porque não é essa a nossa matéria. Não é disso que somos feitas. Odeio que você fique se derramando em lágrimas...

Malu: Muito bem, a senhora que quer mandar em tudo. É cheia de proibições, então faça alguma coisa e proíba essa maré dentro de mim. Quem sabe dá certo.

Maria Luiza: Mas criatura, as coisas não funcionam assim. Não somos seres isolados. Somos uma só. Temos que estar em sintonia, ainda que existam – e existem – algumas peculiaridades que nos diferenciam. Na prática, esses diálogos e a percepção das nossas diferenças servem para que nos aproximemos, para enxergar melhor de onde brotam as dificuldades e pensar, em conjunto, como resolver.

Malu: E, mas pra senhora, as dificuldades brotam sempre do mesmo lugar, ou seja, de mim e desse meu jeito amoroso.

Maria Luiza: Tá bom, acabou minha paciênia, que já não é muita. Então, vamos lá. De que serve esse teu jeito? A quem serve? Quem se beneficia com ele? Quem valoriza?

Dra Cardinale: Calma, Maria Luiza. Também não seja dramática. Não adianta você atacar o que é a matriz do ser. Isso é chover no molhado, é inócuo. É possível suavizar, misturar mais adequadamente com o que eu chamo de vetores de racionalidade, mas desmontar a forma... aí não vai dar, a essas alturas.

Maria Luiza: Tá. Eu sei, mas não é verdade o que eu questiono? Enquanto essa criatura amar tanto, se importar tanto com os outros... me diz, de que adiantou tudo? De que adianta, se a própria matriz condena? Dá indignação, olhar pra trás e onde deveria haver estrada há ... buraco, fosso, abismo... é isso que ela tem construído com o seu imenso jeito de amar. Eu estou revoltada, não suporto injustiças, nem descaso, nem maltrato. Fico furiosa. A “Dona Malu”, não. Ela chora. Que beleezaaa! Chorar resolve muito.

Dra Cardinale: Eu venho dizendo... radicalizar não adianta. A senhora sabe que não é verdade tudo o que diz. A vida tem demonstrado que amar é a única opção. Não há outra. Os amores são múltiplos e de variados tipos. Não devem ser idealizados, mas vividos no cotidiano, em situações simples e comemorados pelo que é possível, não lamentados pelo que é impossível. É bom lembrar que, no mesmo dia, essa dona moça consegue chorar por motivos bem diferentes e isso, se é ruim, também é bom. O choro dos contrastes da vida. Diferentes resultados, mas que mostram, também, que as redes de afeto se formam, sim, fortes. Há ‘nós’ já construídos com substrato amoroso de qualidade e que dão suporte e força, para seguir adiante, mesmo quando em situação de feridas remexidas. Na verdade, se olharmos bem, não estamos mais sozinhas, essa é a grande mudança.









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