Hoje foi
mais um Dia das Mães. Vivi, como é de costume, emocionada e reflexiva. Houve um
tempo, na minha história de vida, em que decidi que seria uma mamma italiana.
Entendi isso, como uma verdade, em mim, mesmo antes de conseguir ser mãe, de
conseguir ser mãe adotiva e mãe biológica. Vivi também muitos Dias das mães sem
filho, antes disso. Passei dez anos, tentando engravidar, lutando com um
diagnóstico, ou vários... vários, até chegar em um deles, que se interpôs como se
fosse uma fatalidade, para alguém tão amorosamente decidida a viver a
maternagem...
Depois de
dez anos de tentativas e exames e alarmes falsos, o médico me disse: “Não
adianta, não adianta insistir. Você tem endometriose em grau severo. Não há
como engravidar com esse quadro!” . Eu disse: “Dá.”. Ele respondeu: “Não dá,
impossível. No teu caso, só um milagre!”. Eu retruquei: “Que seja, o senhor
pode esperar. Eu vou engravidar, pelo ‘método tradicional’, pode acreditar. E,
enquanto isso não acontecer, vou adotar crianças”. Foi assim que resolvi partir
para adoção e tive os meus primeiros três filhos, até que um dia engravidei,
biologicamente, da quarta filha. O ‘milagre’
se fez e hoje tem 15 anos. Linda.
O traço de
maternagem em mim tem sido uma imensidão de amor, uma avalanche de afeto de
bem-querer-bem, que me mobiliza desde criança a ser cuidadora, amorosa,
afetiva. Como eu disse uma vez, amor derramado, sem meias medidas. Talvez
também por isso, até hoje, eu me lembre tanto do Rafael, um menino de uns seis
sete anos, no máximo, que conheci de longe, numa situação muito forte. Vou
contar agora.
Um dos meus
filhos estava hospitalizado, o Dia das Mães se aproximava e eu pensava como
seria difícil que ele não estivesse em casa. Para piorar a situação, a Clínica
em que ele estava internado não permitia visita aos domingos, somente aos sábados. Eu não me detive. Fui falar com um,
com outro, até chegar no diretor e pedir a liberação da visita no Dia das Mães.
Insisti, disse que não ia passar sem ver meu filho, que isso seria importante
para ele também. Então me disseram que não poderia liberar a visita só pra mim.
Aí eu disse: “Mas é claro! Liberem pra todas as mães! Não faz sentido!”. Bom,
de tanto eu insistir, eles concordaram.
Chegou o
domingo à tarde. Quando fui fazer a visita, havia uma fila, muitas outras mães
felizes pela ‘decisão’ da clínica de liberar a visita no domingo. Era um
acontecimento raro ali. Meu filho ficou muito feliz também e veio me encontrar
com um cartaz na mão. Ele tinha feito um desenho para me homenagear, para
expressar seu amor. Quando peguei a cartolina branca nas mãos, olhei e percebi
que a folha estava dividida ao meio. Em uma parte havia um desenho, sim, de
criança, em que podia perceber que eu havia sido desenhada com os outros manos.
Na outra parte, havia alguns riscos dispersos. Não era possível identificar o
que estava desenhado, mas se percebia que havia ali um esboço, não nítido. Não
havia uma figura nítida....fiquei intrigada.
Perguntei,
então, ao meu filho, o que significava aquela divisão. E por que, de um lado da
folha, ele tinha feito aquele desenhos ‘diferentes’. Ele respondeu que aquela
parte da folha não era dele, mas do Rafael, um outro menino que estava
hospitalizado e que, ao saber da vinda das mães, como ele não tinha mãe, pediu
emprestado ‘a mãe do meu filho’, no caso, eu, e um pedaço da folha de cartolina
para ele fazer, pela primeira vez, um desenho para ‘uma mãe’. Meu filho disse: “Ele
é meu amigo. Não tem mãe. Então me pediu para também fazer um desenho pra você!”.
Bem, eu fiquei sem poder falar... emocionada, até o momento em que meu filho
olhou para cima e viu o Rafael. Ele estava na parte superior da clínica, em uma
mureta, acompanhado de um atendente. Olhava fixamente para nós, acompanhando o ‘momento
da entrega do desenho’. Meu filho o apontou e disse: “É aquele, aquele é o
Rafael!”. Eu me levantei, mostrei o cartaz e disse pra ele: “Rafael, querido.
Muito obrigada. Eu adorei o desenho, é muito bonito! Adorei mesmo!”.
Bom,
pensem em um momento dramático. Lindo
emocionante, de chorar. Os olhos do menino se iluminaram, ele abriu um sorriso
imenso e dizia insistentemente para o atendente: “Tio, viu, ela é uma mãe, uma
mãe de verdade. Ela gostou do meu desenho. Viu tio? Uma mãe de verdade gostou
do meu desenho. Ela é uma mãe. Uma mãe de verdade”. Meu Deus, ainda hoje a
expressão do rosto dele está na minha retina, nos meus olhos, no meu coração. Pensei
muito no ‘meu filho Rafael’, o do desenho no cartaz, pensei também em todas as
crianças que, como ele, vivem o Dia das Mães, em meio a toda a parafernália
midiática, sem ter para quem doar um abraço, um traço, um desenho um afago e
ter isso retribuído de alguma maneira. Pensei também nas mulheres que desejam
viver a maternagem e não puderam, pelo aprisionamento de diagnósticos que
sentenciam a impossibilidade.
Mais que
nunca, entendo hoje que, apesar de todos os desafios imensos que a maternagem
nos impõe, a opção vale muito a pena, quando é resultado de decisão profundamente sedimentada em
afetos de bem-querer-bem consolidados. Nesse sentido, a
adoção é uma linda possibilidade, tanto quanto a gravidez biológica. No
cotidiano, não faz diferença, filho é filho, adotivo ou biológico. Eles vão se
entrelaçando com a gente, tanto e imensamente, a tal ponto que vamos entendendo
que sua presença nas nossas vidas faz parte de uma Escrita Maior.
Eu quero
deixar aqui, meu imenso abraço para o ‘menino Rafael’, que, naquele dia, não
pude abraçar, impedida pelas regras da clínica. Eu fiz o que eu pude. Tem sido
assim, na minha vida. Eu faço o máximo que eu posso... para acolher, adotar e
cuidar. Fica aqui o meu desejo de que ele tenha também conseguido uma mãe
adotiva e que receba muitos abraços sempre. Que os anjos o protejam, assim como às outras crianças todas, em todos os dias!
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