terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Viagem é sempre uma ‘viaaagem’!

Viagem é uma viagem. E a redundância aqui é proposital. Sim, porque a viagem acontece como acontece, e não do jeito que a gente idealiza. É preciso, então, aproveitar a viagem como ela se faz. No mais, o que completa a viagem são nossos passos, nosso olhar para tudo e nossa capacidade de viver o que se fez, independente de nossa expectativa. Defendo a atitude de viver a viagem como ela vem, assim com seu jeito próprio, sua dimensão de inusitado, de imprevisto. Isto já é uma grande Graça! Caso contrário, você pode se condenar à frustração, antecipadamente, porque idealiza o resultado de algo sobre o que não tem nenhum controle, o devir viagem, o acontecimento seguinte e o seguinte e o seguinte e o seguinte... e isso vale para muitos tipos de viagens.

Quem me conhece sabe que amo viajar. Hoje, sou até mesmo uma estudiosa do Turismo e, nessa área, minhas pesquisas envolvem a interface Turismo, Comunicação e Subjetividade. Assim, venho estudando, especialmente, algo que pode ser denominado como desterritorialização, ou seja, o processo em que o sujeito ‘perde o chão de si mesmo’, sai do seu território, no movimento de deslocamento do Turismo, nas práticas da Comunicação e, mesmo, na ‘viagem’ que se estabelece na produção do conhecimento. Na prática, como eu tenho dito, em todas essas áreas que me interessam, está em jogo uma ‘viaagem’, para usar uma expressão bem humorada, que é dita tantas vezes, alongando o som da palavra, em forma de brincadeira. “Isso é uma viaaaagem!”. Só que, no caso aqui, estou falando sério.

Lembro-me de uma vez que fui viajar para São Paulo, com meus quatro filhos. Na época, já era divorciada. Decidi ir para a casa da minha mãe, no interior de São Paulo. Então, comprei uma passagem mais barata, com embarque previsto para cinco para meia-noite. Bem, eram muitas passagens, eu precisava economizar. Era um período particularmente complicado, na aviação, os voos sempre atrasavam (agora só atrasam quase sempre). Enfim, cheguei ao aeroporto com as crianças ávidas de vontade de viajar, animadas, mas já cansadas. Elas eram pequenas. E eu, doida, claro. Viajar sozinha com quatro crianças, à noite. Enfim, era o que podia. Viajar para mim, é uma viaaagem! Eu topo! Faço esforço, crio condições e vou, como posso. Nunca reclamo, sempre agradeço. Assim tem sido sempre.

Então, chegamos ao aeroporto, e a moça do guichê da companhia (que não me lembro mais qual era) me disse: “Senhora, o voo de vocês está atrasado, sem nenhuma previsão de embarque!”. Hum, as alternativas eram poucas. Praticamente nenhuma. Voltar para casa naquela hora, com as quatro crianças, tentar remarcar as passagens ou esperar no aeroporto.   Sim, decidi esperar no aeroporto. Juntei bagagens de mão (quem tem filho pequeno sabe quantas são!) e os filhos. Fomos para a área de alimentação. Conversar qualquer assunto com filhos italianinhos é mais fácil diante da mesa, com comida.

Assim, ali, lanchando, disse: “Olha, vou contar uma coisa para vocês. Nós vamos viver uma noite de aventuras no aeroporto!”. Lembro até hoje, enquanto comiam, eles me olhavam curiosos: “Noite de aventuras? Como assim?  O que foi? Aventura como? A gente não vai mais viajar? Que foi?”, disparavam perguntas, como metralhadoras. Eu, em meio às rajadas de perguntas, respondi do alto da minha calma de mãe (não me sobrava alternativa!): “Calma. Eu explico. A moça disse que nosso voo está atrasado, sem previsão, quer dizer, ninguém sabe quando vamos embarcar. Então, enquanto isso, vamos comer e passear, passear bastante pelo aeroporto. Vai ser muito divertido!”.

Naquele momento, eles acreditaram e, claro, toparam a noite de aventuras. Fizemos isso o quanto aguentamos. Até que, não podendo mais caminhar de um lado para outro, fomos para a área de embarque, onde havia mais uma centena, sim, uma centena de pessoas que lotavam poltronas dispostas no saguão, como se fosse o próprio avião em maquete. Giulia e Pietro, os mais velhos, tinham na época em torno de nove e oito anos, adormeceram logo. Giuseppe e Chiara, cinco e quatro anos (se bem me lembro!), no entanto, permaneceram agitados. Já era madrugada. Corriam de um lado para outro, especialmente quando viam um funcionário da tal companhia aérea. Iam ‘buscar informações’. Depois, diante da multidão das pessoas sonolentas, eles transmitiam o último boletim: “Ele disse que ainda não tem previsão!” e davam boas risadas. Pareciam estar brincando de repórteres de tevê.

Enfim, a noite seguiu dessa maneira, até por volta de quatro e meia da manhã, quando embarcamos para São Paulo. A viagem nunca mais saiu da minha memória. Estar ali, sozinha com os quatro, preocupada com o que sentiam, com o modo como suportariam o cansaço, com o que eu faria no momento que nos chamassem para embarcar, se os quatro estivessem dormindo e eu não conseguisse acordá-los. Esforço também para não ter sono, preocupada com o ambiente de aeroporto, que, sei bem, exige sempre atenção especial, quando se trata de crianças por perto. Os olhos pesavam, o cansaço era imenso, mas eu entendia que tudo isso fazia um sentido maior, que a vida mesma é assim, quando se viaja, quando se tem filhos, quando se tem ‘pessoas sob a nossa responsabilidade’. É preciso lidar com os imprevistos, ter paciência, acalmar e acomodar os passageiros, os nossos acompanhantes de viagem, ter cuidado com cada um e atenção às suas necessidades.

Gostei do desfecho, do modo como lidei com a situação, apesar do cansaço, da exaustão que sentia naquela madrugada. Percebo que ela não é diferente de muitas que senti, em outros diferentes momentos da vida, uma mistura de exaustão e calma estratégica, entendendo que só a calma pode me ajudar a sobreviver o momento. Na verdade, quando falo de viagem, falo também da Grande Viagem, a vida. Essa é uma das minhas temáticas preferidas, para pensar e escrever...há sempre muitos imprevistos a enfrentar, intempéries, há também lindos visuais depois de curvas nas estradas ou mesmo no céu, durante os voos. Há encontros e desencontros. Pessoas que conhecemos, reconhecemos e reencontramos nas viagens. Há companheirismos consolidados em viagens e amores que podem ser (re)conhecidos. Assim tem sido comigo, venho acumulando histórias e parcerias de viagens, lidando com o caráter de mutação inerente, com a desterritorialização também em mim... a mutação constante, a necessidade de me reinventar, de também de me reencontrar nas viagens, na Viagem, também na viagem de escrever-me!




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