sexta-feira, 25 de maio de 2012

Confiança amorosa

Assistir Ensaio sobre a Cegueira, o filme baseado no livro de José Saramago, com o grupo de estudantes do Amorcom!, foi uma experiência linda, que fechou a semana com reflexão sobre a vida, sobre a sociedade contemporânea, sobre o amor e as possibilidades de felicidade! No filme, as pessoas começaram a voltar a enxergar, quando se redescobriram como ‘pessoas com valor humano’ (no que isso tem de bom e de ruim), com potencial de amor entre si, pelo que são como seres vivos e não pela aparência, pela função social, pela idade. Amor no sentido pleno, como ‘reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência’ (Humberto Maturana). Outro na diferença, com direito de ser outro, outro com quem se quer conviver. A ‘esperança’ surge quando os laços de afeto entre o grupo se consolidam e quando eles se entregam na relação de ‘confiança amorosa’.

A confiança amorosa possibilita a cumplicidade, a amorosidade plena, numa entrega sem exigências apriorísticas, entrega pelo gosto de estar junto, de conviver. Despir-se e viver alegremente o encontro. Nesse tipo de laço, não há regras, nem marcas do mercado de consumo que digam quem você é. Não é a cor da pele, a roupa da moda, o corpo perfeito, a preparação sofisticada que decide a cena. Tudo é mais simples. Simplesmente amoroso.


Possibilidades de paz amorosa, em momentos que ficam emblematicamente reverberando dentro da gente... fazendo mais e mais vida: aconchegar-se, depois de vagar pelas ruas caóticas das cidades e do mundo, inundadas de gentes podres, devoradas por elas mesmas e por animais de todos os tipos... aconchegar-se ‘fora da moda’, numa roupa simples ou em roupa nenhuma, apenas nos braços de alguém que se gosta... fazer nada junto e depois, tudo. Assim, pra mim, é ‘ser feliz’ e parece que também é isso que o filme mostra.

Ser feliz é voltar pra casa, território da gente, aquietar-se na simplicidade no ‘nosso lugar’ no mundo. Ter pra quem olhar, quem tocar, amar ou conseguir olhar para nós mesmos, sem medo, nem autopiedade, nem arrogância egóica de quem ‘se acha o máximo’, de quem acha que ‘se basta’; é conseguir estar humildemente despido, diante de si mesmo e do outro e se ‘des-culpar’ dos tantos erros na vida; também é acreditar na possibilidade seguir a estrada...sozinho ou acompanhado – acompanhado, de preferência.

Quando estivermos junto com pessoas que amamos, o desafio vai ser conseguir partilhar o pouco que ‘nos cabe neste latifúndio vida’ (pra lembrar Chico Buarque, que é sempre uma lembrança linda), sem cobranças, sem exigências premeditadas, pré-fabricadas, pré-concebidas, preconceituosas. Deixar à vontade, construir de modo parceiro o espaço dividido, ainda que seja por tempo passageiro, porque ‘tudo na vida passa, até uva passa!’. Foi o que aconteceu, quando, no final, o grupo foi acolhido generosamente na casa do médico e de sua mulher.

Desafios existenciais de partilha, de instantes-vida compartilhados. Pra isso, não se sabe a medida, há que se construir a vida no jogo marcado pela atrapalhação, pelas diferentes compreensões sobre o que é aproximação e afastamento. Assim, há que se ajeitar, dar jeito, encaixar existências e, diga-se de passagem, o gosto disso é o que vale a ‘coisa’, quando se consegue. Para tanto, cada um vai ter que descobrir a que se predispõe. Situações extremas de sofrimento ensinam a generosidade e desapego. Depois da cegueira branca, da suposta iluminação de superioridade que a humanidade viveu, nomes e valores materiais perdem o sentido... Fica, mesmo, o que vale a pena. Como diz o poeta, na frase exaustivamente repetida aos quatro ventos: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Pra mim, tudo vale a pena, se a confiança é plena.

Assim estamos construindo o Amorcom! Grupo de Estudos e Produção em Comunicação, Amorosidade e Autopoiese, na Universidade de Caxias do Sul. Assim, tenho orientado minha vida. Assim, o Amorcom! se fez. Sou muito grata por isso.




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