quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ideia que te quero 'idéia'


Há algumas coisas na vida que são difíceis de aceitar. Muito. Coisas que acontecem contra a nossa vontade e diante das quais temos que nos resignar. Tocar adiante, assimilar a mudança e seguir a vida. Não é nada confortável ter que engolir uma imposição existencial dessas, mas, fazer o quê? Nós não mandamos em tudo. Na verdade, mandamos em bem pouca coisa, ou, diria, pra ser mais exata, em quase nada... Bem, a situação a que me refiro é a mudança ortográfica da Língua Portuguesa, em especial no tocante à extinção do acento da palavra ideia.

Meu Deus! Quem teve uma ideia dessas? Por quê? A ideia com acento não incomodava ninguém. Ao contrário. Era uma ideia assimilada, a maioria das pessoas a aceitava como era, assim, com o acentinho ali em cima, marcando, destacando, pedindo a pronúncia aberta. Eu sei, sou uma jornalista, tenho que aceitar as normas da escrita, ainda mais as normas da Língua Portuguesa, que é a que adquiri primeiro. Não tenho que me rebelar. Como jornalista, sou uma guardiã das regras, para garantir o resultado maior, que é a boa comunicação. Regras e criatividade, experiência amorosa nos processos de escrita. Sim, eu preciso das regras, tento segui-las e vivo, no trabalho de supervisão de texto, ajustando dizeres dos outros às regras tantas, de várias gramáticas, verbais, visuais, audiovisuais, internéticas... ah.. claro, as da escrita científica também.

Também sei que as mudanças ortográficas foram resultado de muita discussão e que vêm como uma orientação maior. Tudo bem, mas não estou convencida da importância/necessidade de retirar o acento de ideia. O acento parece uma iluminação, a indicação de um devir realização e, nesse sentido, sem acento, a ideia parece perder a força... Eu gosto tanto das palavras que muitas vezes fico pensando na relação entre as suas dimensões de significantes e o seu sentido. Explico, cada palavra tem um som e uma grafia, que resultam no sentido que lhe é atribuído pelo grupo que a ‘cultiva’... então, nessa combinação, algumas parecem fazer mais sentido, em sua expressão física, som ou imagem das letras, outras nem tanto. Entendem? É isso que está se rompendo com a mudança ortográfica que retira o acento de ideia (eu não posso escrever com acento... mas... vocês sabem...tem que ler como se acento tivesse). O acento projetava a palavra, o sentido dela... sem ele, a ideia fica sem projeção, tem que se aquietar e se limitar às letras que a constituem, ali, ensimesmada no i-d-e-i-a. Isso não é próprio de ideia. Não é não.

Bem, eu sei que coisas como essas, que se interpõem em nossas vidas... dramas existenciais que rompem com nossos hábitos, nossas preferências narrativas, de inscrição na vida... são assim, compulsórias, porque fogem da nossa alçada, do nosso campo de decisão. Estão nas mãos do outro, das outras pessoas. A nós, basta refletir e seguir...aceitando e vivendo a adaptação ao rumo que a ‘prosa existencial’ tomou. Não era o que eu queria. Não era o que eu preferia, mas eu já estou bem grandinha pra me limitar a queixas e reclamos. Se não posso mudar, sigo adiante... incorporo no cotidiano. Ao menos, as minhas ‘idéias’, aquelas que vivo produzindo nessa prática cotidiana de invencionices...brotam com acento, com devires, com projeção para a realização. Depois... bom, depois não depende de mim... é o universo quem manda, a lei maior, a lei do Outro.

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