domingo, 22 de abril de 2012

Olhos que espelham minh’alma



Por encontrar, nesta vida de meu Deus, olhos que, nos olhos meus, refletem minh’ alma, eu me deparei com a paz amorosa. Paz no coração. Não importam mais desfechos e prazos. Não importa mais tanto o rumo dos acontecimentos. Nem o tempo importa mais.

Aprendi a desapegar dos desfechos premeditados por uma sociedade que ensina a amar, segundo padrões de formalidades e rituais e nomes tantos. Tenho aprendido, também, que só posso investir na busca do controle de mim mesma, mas não no rumo do amor, que não depende de mim. Não dá pra ficar imaginando o devir. Cada um faz o seu caminhar, seu movimento e isso não diz ‘amar ou não amar’, mas resulta de um mundo de outros elos, trama de existências e quereres outros.

Penso que estou aprendendo e sei que sigo tentando consolidar a compreensão e a vivência, nesse sentido. Aprender a amar sem idealizar, sem cobrar de mim e dos outros um desempenho este ou aquele, segundo uma configuração típica da família capitalista ocidental formal. Amor no flerte, no jogo louco da sedução, no namoro, no noivado, no casamento. Desamor na separação. Ódio, tantas vezes. Uma sequência de contratos de relação que, supostamente, definiriam se o amor ‘deu certo’ ou não deu.

Mas, Deus meu Deus, o que é mesmo o amor dar certo? Cumprir os rituais estabelecidos por uma sociedade que agencia o relacionamento, como um empreendimento a ser exibido publicamente como de ‘sucesso’? Às vezes, até mesmo um catálogo estético e econômico (e, pior, político), um perfil de vínculos que se publica nas redes sociais virtuais e não virtuais para dizer: ‘olha quem está comigo!’. O amor como instrumento de união de famílias respeitáveis publicamente, às vezes pela sua condição financeira, pelo seu lugar de poder na sociedade, pelo status, pela tradição. O amor que a ‘família’ aceita e aprova. E o que isso diz do amor? E o que isso tem a ver com ‘os olhos que nos olhos meus refletem minh’alma’? Nada.

O amor não é exibição do amor. O amor está ou não está. Quando a gente sente que está, é porque ele se configurou como um substrato profundo entranhado nesta (e talvez em outras) vida(s). O amor é independente do que pensam do amor que tenho, das razões (racionalistas ocidentais) publicáveis sobre porque amar. Amor independe das aparências públicas do amor. Amar é. Viver o amor é a vivência possível, a partir da possibilidade do encontro emblemático dos ‘olhos que nos olhos meus refletem minh’alma’.

Passei muito tempo da minha vida apegada aos desfechos. O vínculo com as narrativas, com a ficção romântica e amorosa, associado ao jeito ‘libriana’ de ser, fez de mim uma apaixonada exigente, desejosa de que os enredos imaginados se cumprissem. Eu sempre quis atender às expectativas, cumprir as normas, obedecer, para obter aprovação em tudo e, de preferência, reconhecimento. Fico às vezes pensando que fui errando, no sentido de querer que se cumprissem os modos de amor apresentados em catálogos sociais, divulgados através das gerações, de forma sub-reptícia, e configurados nos sujeitos ‘nós mesmos’. Aos poucos, no entanto, fui reduzindo o nível de exigências comigo e com os outros, mas sempre, o tempo todo, errando e acertando, mantive a intenção: a tremenda ousadia(?) da vontade de ser feliz.

Isso. Ser feliz no amor. Amar e ser amada. O básico. Trivial simples. Eu e a torcida do Flamengo queremos isso. Aqui no Sul, do Inter, do Grêmio... agora do Caxias e do Juventude... enfim, todo mundo, ao que eu saiba. A questão é que ser feliz no amor implica, de fato, em ser feliz ‘estando no amor’, em amorosidade, em condição de amar e realizar-se, quando isso se produz também no outro. Raro, realmente experiência rara a de que, encontrando o olhar do outro, exista ali não uma imagem carcaça de um corpo que, vivo agora, se exibe como resultado do tempo marcado, mas uma alma amorosamente afetada pela(s) existência(s) (com)partilhada(s). Isso, na maioria das vezes, não é percebido pelas pessoas. Conscientemente menos ainda.

O amor na sociedade contemporânea tem sido ‘vendido’ e alardeado como um produto amadurecido à força, como as frutas que nós compramos na feira, e que deve ser consumido às pressas, por gente ansiosa por ter prazer imediato. O amor que se resume à estética, à aparência. A proposta do ‘mercado amoroso’ então é amor com consumo que resulta em ‘gozo rapidinho’, fast food. O amor em tempos de ‘ficar’ não fica, ele literalmente desaparece no momento de consumo, transformando-se em ‘bem verdadeiramente não durável’. Amor capitalista amor.

A essas alturas da vida, vivo a alegria de me reconhecer aprendiz, humildemente aprendiz, no que diz respeito ao amor. Não sou sabedora, mas ‘aprendente’. Questiono o amor capitalista, mas alegremente reconheço a potência do amor dos ’olhos que nos meus olhos refletem minh’alma’. O devir, o que deve vir a ser, será um dia, mas eu não tenho a menor ideia desse eventual desfecho. A importância mesma está no encontro vivido, simples, terno, na cumplicidade da partilha e da amorosidade, que tem a base na força e intensidade da amizade amorosa. Este é outro dado. Pra mim, o substrato consistente do amor é a amizade e não a paixão. A amizade tece laços de confiança que a paixão nem de longe aciona.
A paixão sem amizade tem componentes de egoísmo e idealização que, por si, só envenenam (ou podem vir a envenenar) a relação.

Bem, o resto é o futuro. E o futuro a Deus pertence. A escrita desse texto futuro não está nas minhas mãos. Certamente não está... sou apenas sujeito do meu passo e dona dos meus olhos que amorosamente amam os olhos que refletem minh’alma.






Um comentário:

  1. Lindo, por demais! Que as palavras continuem a fluir, canalizadas pelo teu coração e escorrendo pelos teus dedos. Isso é amor, é amar, é amar-se. E este sentimento lindo, tão complexado por inumeras vertentes capitalistas/contemporâneas, destila e encanta através das tuas palavras e da leitura dos teus "olhos que refletem tua alma."

    Profundamente agradecido, pela partilha!
    Com carinho,
    William Freitas

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