domingo, 1 de janeiro de 2012

DESMAIOS E ABRAÇOS...




Sou uma pessoa particularmente interessada em narrativas. Isso vem de muito tempo. Talvez tenha a ver com o fato de que nasci numa pequenina cidade do interior de São Paulo, quase uma cidade cenográfica. Sempre penso que Guarantã, cidade do interior no noroeste paulista, mais parece um cenário, onde se desenvolvem narrativas folhetinescas. Romances, traições, nascimentos, reencontros, desencontros, namoros, separações, crimes, nascimentos... mistérios. Guarantã tem de tudo... ainda vou escrever mais sobre isso.

Ali mesmo, desde criança, eu levantava de madrugada para ler histórias. Lembro que as bibliotecárias do Grupo Escolar de Guarantã, queridas dona Leonor e Nadir, ficavam encantadas com a pequena Maria Luiza, que vivia querendo retirar mais e mais livros...numa espécie de de ‘fome’ de palavras, traço que não era tão comum entre os seus colegas. Não com tanto desejo, ao menos. Nem bem eu levava um livro pra casa, devolvia e queria outro, e mais outro, e mais outros... Elas acabavam sempre abrindo exceção, para mim, emprestando mais livros de uma vez.... nas férias, eu sempre ia carregada... afinal, como ia ficar sem ler histórias?

Eu também comecei a querer escrever histórias. Mergulhada no cotidiano e perfis dos personagens com os quais ia entrando em contato, via brotar, em mim, a ‘criação’...eu sentia vidas de remexendo em histórias que um dia brotariam. Não sabia exatamente quando. Havia cenas medievais (que, na época, eu não sabia serem medievais). Algumas eu vislumbrei olhando uma colcha da cama da minha avó. Os desenhos lembravam um castelo, com seus muitos aposentos e corredores, com pé direito altíssimo, adornos delicados e jardins... sim muitos jardins. Lembro que eu passava tempos sentada, na cama, imaginando as histórias.

Uma coisa patética desse período é que eu sempre imaginava desmaios... minhas personagens femininas desmaiavam e todos se preocupavam. Hilário é que, na vida, eu só desmaiei uma vez, o que, na adolescência, me fazia pensar: “Nossa, minhas amigas todas já desmaiaram. Eu nunca!”. O máximo que tinha conseguido, na infância, tinha sido um ‘quase desmaio’, uma vez, quando caí da jabuticabeira. Quando me dei conta que, ao cair da árvore, tinha quase desmaiado, fiquei frustrada. Não por ter caído, mas, por ‘não ter desmaiado’. Pode? Eu tinha, no imaginário, a cena do desmaio, com um certo encantamento. Um momento em que todos se preocupavam com a ... ‘desmaiada’...

Depois, na época da faculdade, quando fui morar sozinha, me lembrei da história do ‘não desmaio’ e pensei: “Ah.. só o que falta, agora que moro sozinha, um dia desmaiar sem que ninguém veja.... ‘sem público’”, risos.. só eu mesma... Muitos anos mais tarde, digamos, ‘consegui’ desmaiar... Eu fazia doutorado em São Paulo, na USP, e viajava todas as semanas de Porto Alegre, pra lá. Saía, de ônibus, nos domingos, a uma da tarde, chegava em São Paulo no outro dia, às seis da manhã. Passava segunda e terça e, depois, à noite, voltava de avião, para o restante da semana coordenar o Curso de Comunicação da ULBRA e dirigir o Telecentro, além de atender aos clientes de supervisão de texto. Nas madrugadas, fazia os trabalhos das disciplinas... lia os textos... junto com meu ex-marido e grande parceiro, naquele período, que também fazia a mesma maratona. Então, eu vivia exausta... aí um dia acabei desmaiando dentro de uma loja, no bairro Pinheiros, em São Paulo. Foi uma cena bonita. Acordei rodeada de pessoas. Lembro que, quando recobrei os sentidos, meu ex-marido estava com cara de apavorado e que achei a ‘maior graça’...estava realizada. “Ah.... assim sim, sim. Desmaiar, mas com público! Era teatral!”. Na verdade, rídiculo... patético, sob um certo aspecto, uma pessoa querer desmaiar, mas eu sei que isso tem a ver com o vínculo com as narrativas, com a poética, com a construção de cenas e personagens....

Claro, também tem a ver com um certo nível de loucura, mas ninguém que me conhece, de fato, acha estranha a associação... loucura-Malu... ao contrário. Por favor, vivendo a vida que vivi até agora... na intensidade com que vivo as cenas e os relacionamentos, em meio a tramas pra mais que folhetinescas e surreais, não me peçam sanidade. O máximo que consigo é, vez por outra, o acionamento do vetor racional, para dar conta do ‘dia’, do cotidiano de afazeres e... seguir em frente... poetizando... romanceando... criando personagens... sem desmaiar.

Refletindo, hoje, penso que o encantamento com a cena do desmaio tem a ver com o desejo de ser acolhida nos braços, cuidada, deixar-me desfalecer e soltar-me nos braços do outro. Fantasia de menina romântica. Certo, mas, pra isso, não é preciso desmaiar. É muito melhor soltar-se nos braços de alguém, sem desmaios...só pro abraço, e pro depois do abraço... O contato do limite de si com o limite do outro, pelo gosto de viver o encontro. Mistura de cheiros. Ser acolhida nos braços do ser amado. Os braços do (meu) bem-querer. Lugar pleno de afeto. Assim é, tanto que a novidade passa a ser uma obviedade: ao descobrir esse lugar, não quero desmaiar, nem morrer, só ‘estar’ e ficar... assim, sem tempo, nem hora, sem pressa, uma feliz vida.


Desejo um mundo de felicidade, a todos os que visitam o Margaridas Brancas, com muitos abraços, sem desmaios! Beijo. Malu

2 comentários:

  1. Achei engraçada essa coisa sua com o desmaio, me identifiquei completamente! Um certo encantamento pela cena, a fragilidade levada ao extremo. Caso para discutir com meu analista!
    Ocorre que desde o início da adolescência eu sempre desmaiei muito e por qualquer coisa. Sempre fui dessas que diante da menor emoção ou tensão simplesmente apaga languidamente nos braços de quem estiver por perto. Fantasia de menina romântica? Hum, bem provável! O fato é que mesmo hoje, mulher madura, já na casa dos 30, continuo não conseguindo me sentir constrangida, e sim excitada com a situação. Talvez o dia que, como você, eu encontrar os braços perfeitos nos quais eu possa me perder mas, sem perder os sentidos, eu também prefira me manter bem consciente. Por enquanto, continuo preferindo a sensualidade frágil e vitoriana dos desmaios.

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  2. Eu sempre desmaiei a toa e, confesso, apesar do constrangimento constante, a situação de desamparo e fragilidade sempre me excita um pouco. Meio insano e vitoriano isso, eu sei, mas nem imagino porque acontece. Talvez o fato de ser a unica mulher e caçula, em uma família de 6 irmãos tenha me acostumado aos mimos e paparicos dos meninos da casa. O fato é que sempre tive pressão baixa e uma vitoriana propensão a desmaios, Qualquer dorzinha ou tensão mais forte me derrubam fácil. Na adolescência eu ficava envergonhada quando isso acontecia em lugares públicos, chorava, mas, os anos vão passando, vem a maturidade e com ela o aprendizado de que se é inevitável, não sofra.
    Hoje com 32 anos, já aprendi a tirar de letra a situação.Quando percebo que vou desmaiar, aviso discretamente a quem estiver perto e me deixo cair, simples assim! Minha psicóloga diz que o fato de meus irmãos sempre me superprotegerem acabou criando uma dependência minha por sentir-me segura e protegida, por ter alguém que ampare, acolha, e os desmaios, segundo ela, são a forma que meu subconsciente tem de pedir essa proteção, já que hoje vivo sozinha, em cidade distante e já não conto com a proteção a que me acostumei ei viciei na infância e juventude. Eu sei lá se é isso, mas agora, lendo essa postagem, vi que faz mesmo algum sentido.
    Será que o dia em que eu finalmente me encontrar com o amparo real de alguém especial, irei finalmente querer usufruir desse amparo totalmente consciente para não perder nadinha? Hum, tomara!

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