sábado, 10 de novembro de 2012

Ainda “stamos em pleno mar”...


E assim, a vida vai mudando de rumo, de novo, como uma espécie de rio que vai procurando o mar, eu diria, ‘a-mar’. Vai tergiversando, sinuosamente desviando dos obstáculos, tecendo o próprio rumo, enquanto provoca desassossegos tantos em quem o vê passar. Incontido e obstinado, o rio esse vai deixando ‘passados’ no caminho, vai se embora. Tem que ser. São boas as lembranças, as risadas, as conversas. Ah.. as conversas, a amoramizade é mesmo um espetáculo do relacionamento! Mas tudo tem um tempo, às vezes um dia, uma semana, meses, anos.. uma ou algumas vidas.

Conversar, ‘ versar com’ gente de bem-querer-bem, com amores amigos, saber da vida, rir junto, às vezes, mas só às vezes, chorar junto também, que ninguém é de ferro. Eu não sou, embora tenha sido forjada de um tipo de matéria forte, que me faz sempre ir em frente, avançar... tentar... se não conseguir desviar o rumo, voltar... ir embora.

Na semana cheia de sobressaltos e desafios... a frase que me veio é...depois de tanta tempestade, não é qualquer chuvisco que me molha. A semana foi de chuvaradas e mares bravios. Em compensação, vejo que fiz laços bons, renovei a convicção de que, se alguma coisa nos ajuda, nesse tempo de Meu Deus... é a condição de ‘estar junto’, do modo possível, sem modelo nem dogma, apenas e principalmente pelos fluxos intensos de afetos de bem-querer. Eu verdadeiramente conheci bons navegadores na vida. Não estou sozinha na travessia.

Na loucura do tsunami de tarefas, lembrei da minha avó cerzindo roupas... da nonna costurando meias...pensei nos curativos de feridas , feitos com carinho, ao mesmo tempo em que a voz segura de alguém que gostamos vai cuidando... vai curando a dor, o machucado. Hoje sou eu a ‘costureira de sentimentos’. Eu é que estou chamada a ‘me tecer’, reconhecer e autopoieticamente me reinventar todos os dias. Eu é que também tive que aprender a ter paciência comigo...

Eu também tenho a doce tarefa de acolher gentes no meu abraço, pessoas que precisam e se permitem viver esse aconchego, acolhimento terno de quem se preocupa, de quem se preparou para ‘sobreviver na selva’. É isso. A tarefa é a da sobrevivência na selva caosmótica desses tempos de mais desafetos que afetos explícitos. “Stamos em pleno mar”, disse o poeta Castro Alves, no clássico Navio Negreiro. Há muito tempo eu penso isso: agora sobre escravos do quê mesmo? As respostas possíveis são diversificadas e, por falar nisso, agora eu vou dormir.



O Navio Negreiro

(Tragédia no mar)


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...


'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...


'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...


Donde vem? onde vai? Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço.


Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!



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