Há dias, meu filho Rafael não me sai da cabeça. Tenho
pensado muito nele, imaginando onde ele pode estar, o que estará fazendo, como
será que está sua vida. Será que se alimentou bem? Está agasalhado? E a escola?
Os projetos de vida? Como serão seus projetos de vida? Eu gostaria tanto que
ele tivesse projetos de vida...
Quem me conhece, quem me acompanha, de alguma maneira, na
vida, sabe que eu não tenho um filho chamado Rafael. Então, de quem estou
falando? Falo de um menino que um dia me mandou um cartão de Dia das Mães, sem
nunca ter me conhecido. Foi um cartão muito especial, muito emocionante,
impactante mesmo. Isso já faz vários anos, não sei ao certo, mas penso que já
vão mais de 10 anos do acontecimento do ‘cartão’ do Rafael. Eu vou contar aqui.
Naquele ano, o Dia das Mães se aproximava e meu filho
Pietro estava hospitalizado. Eu fiquei sabendo que ele teria visita somente aos
sábados e não aceitei. Pensei: “Não, Dia das Mães é domingo! Quero ver meu
filho Pietro no Dia das Mães!”. Fui falar com a direção da clínica e parecia
não haver jeito... me disseram: “Não podemos liberar somente para a senhora! As
outras mães também iriam querer”. Argumentei que então liberassem para todas as
mães, que não havia sentido impedir que crianças hospitalizadas vissem suas
mães nesse dia, que seria um absurdo, que eu não aceitava de jeito nenhum. Bem,
falei tanto que eles concordaram e liberaram a visita para todas as crianças.
Eu fiquei muito feliz.
Cheguei cedo, antes mesmo do horário de visitas. Quando
liberaram a entrada, logo o Pietro desceu e me trouxe uma cartolina ‘de
presente’, com desenhos em homenagem pelo Dia das Mães. Chamou muito a atenção
que a cartolina estava dividida pela metade, com um risco, um traço bem no
meio. Em uma parte, o desenho era bem nítido, com traços de criança, mas que
demonstravam a figura de uma mãe e um filho. Do outro lado, o desenho era
totalmente abstrato, eram riscos não agrupados em uma expressão figurativa
clara, riscos em desalinho. Não era possível compreender o que expressavam
claramente. Com a maior delicadeza do mundo, perguntei para o Pietro porque
havia aquela divisão e porque ele havia feito desenhos tão diferentes, o que
ele quis dizer. A surpresa veio daí.
Pietro me olhou e respondeu naturalmente, sem se dar
conta da proporção do significado do que me contaria. Ele me disse: “Não mãe,
eu só desenhei desse lado [o que estava mais organizado]. Desse outro lado aqui
[e mostrou, apontando, os desenhos com rabiscos desalinhados, desordenados] quem
desenhou foi o Rafael. Ele me pediu emprestado, me pediu para fazer, porque ele
não tem mãe e nunca fez desenho para uma mãe. Ele estava triste, porque não
tinha para quem fazer desenho e eu emprestei metade do meu papel para ele fazer
um desenho para você”. Eu fiquei imobilizada, emocionada pelo gesto do Pietro e
pela condição do Rafael. Fiquei tentando não chorar... bem difícil.
A situação complicou um tanto, para mim, quando Pietro
olhou para o alto e viu um menino ao lado de um atendente. O menino olhava
fixamente para a gente. Pietro, então, me disse: “Mãe, aquele lá é o Rafael!”.
Imediatamente me levantei, olhei para ele e disse: “Rafael, eu adorei o
desenho! Muito obrigada! Muito obrigada mesmo!”. Ele abriu um sorriso imenso,
arregalou os olhos e começou a saltitar, alegre, dizendo para o atendente: “Viu
tio, ela é uma mãe de verdade e gostou do meu desenho. Uma mãe de verdade
gostou do meu desenho. Eu fiz o desenho e ela gostou. Um mãe de verdade”. Meu
Deus, eu não tenho como esquecer aquela cena. Um menino sem mãe me chamando de ‘mãe
de verdade’, imensamente feliz porque pôde fazer o desenho para mim! As regras
da clínica não permitiam, mas eu queria muito ter dado um abraço nele. Como
faço tantas vezes, diante de situações que não posso mudar, que estão longe do
meu alcance, escrevo e peço ao Moço da Parede que ajude!
Deixo aqui meu abraço para o filho Rafael que me adotou
sem me conhecer e, em nome dele, meu abraço a todas as crianças que não
conheceram suas mães biológicas ou adotivas. Que a história do Rafael seja um
incentivo a todos quantos puderem acolher crianças em suas famílias, fazê-los ‘filhos
de verdade’ com ‘amor de verdade’, que é o que mais importa nesta vida. Por
experiência própria, eu recomendo muito a adoção como possibilidade de viver a
imensidão de alegria que é ser mãe! É uma experiência tão linda e tão
maravilhosa quanto à maternagem biológica! Sou testemunha disso!