Na
minha frente, apresentando a análise de peças gráficas, um aluno treme, em sala
de aula. Mais correto seria dizer: o aluno vibra, seu corpo estremece e se
mostra em uma emoção alterada. O jornal, em sua mão, objeto empírico da
análise, vai mostrando, ‘traidor’, que esse ser estudante tem a emoção à flor
da pele. Ao mesmo tempo, ao falar, ele esboça um riso de quem se sente
satisfeito pelas ‘descobertas’, pelo que pode enunciar de saber construído. Ele
tem a emoção de aprender, assim, ali, visível aos nossos olhos, com um corpo
que vibra, independentemente de sua vontade consciente. Eu me lembrei da canção
"Codinome Beija-flor", de Cazuza, especialmente pela expressão "Segredos
de liquidificador"!
Fiquei
pensando que também a educação, o conhecimento, quando vividos com amorosidade
e intensidade podem emocionar e nos desafiar como seres inteiros, com nosso ‘corpo
vibrátil’, para lembrar um conceito da Esquizoanálise, uma das teorias que
estudo. A emoção é diferente, da referida pelo poeta Cazuza, mas também é
avassaladora e mobilizadora do conjunto do ser, feito corpo, alma e mundaréu de
afetos. Somos seres complexos, em corpos que vibram e entram em sintonias com
energiais circundantes e transversalizantes. E essa vibração não segue ou serve
ao intelecto, nem se limita à materialidade do corpo, em si, mas diz respeito ao
que nos emociona, o que nos põe vivos, o que nos transversaliza de emoção ‘derramante’,
que nos mobiliza como seres inteiros e nos põe prontos para nos mostrar, nos
entregar, de alguma forma.
Nesse sentido, o encontro amoroso, com a emoção de
quem encontra o outro e se emociona por isso, assim como a apresentação de um
trabalho, a aula, a palestra, são situações que podem nos colocar em condição
de estremecimento, de alteração nas vibrações emocionais e físicas, a tal ponto
que isso transpareça, se faça visível. Isso ocorre em cada momento em que nos ‘enviamos’
para o outro, nos expomos, nos dispomos para, na entregar, sermos tocados pelo
corpo ou pelo olhar do outro. Quando a situação nos emociona grandemente, nosso
corpo vibra e, às vezes, essa vibração se expressa em tremor, em vida que jorra,
nas suas variações, em riso, em choro, enfim...
Eu
me lembrei também de outra canção, essa de Caetano Veloso, intitulada Força
Estranha. Na letra da música, ele diz: “Eu vi um menino correndo/ Eu vi o tempo
brincando ao redor/ Do caminho daquele menino”. E nesse momento, eu também vi o
tempo, o tempo de docência, outros tantos meninos-moços, como aquele que,
emocionado, apresentavam seu trabalho, com esforço e alegria. Lembrei-me de
alguns, em especial, preparando-se para as primeiras apresentações de pesquisa,
esforçando-se para se mostrarem corajosos e, com a voz embargada e certo
estremecimento, mostrando a mim e a si mesmos a emoção de crescer e aprender,
de se mostrar em cenas mais desafiadoras. Emociona-me o fato de que, sendo
educadora, eu acompanho seres em processo de construção de projetos de vida,
seres que investem muito mais que dinheiro e tempo; investem sua emoção, sua
esperança e a si mesmos, inteiros, na construção de um devir vida, que os
sustente existencialmente, em sentidos vários.
Fico
pensando no compromisso e nas marcas que, como educadores, deixamos nessas
estradas existenciais singulares e no quanto é necessário investir em
amorosidade, acolhimento, bons afetos, nos processos de aprendizagens para que
eles sejam geradores de alegria e potência de vida, pautada pela confiança
amorosa, pela construção de autoestima e humildade, ao mesmo tempo. Fazer pontes
entre as trajetórias que os trouxeram até nós e as novas estradas que se abrem.
Ao mesmo tempo, compreender que é tudo construção conjunta, que a produção é
resultado dos entrelaçamentos de saberes, das histórias de vidas todas que se
encontram e que a transformação é ecossistêmica. Assim, também sinto que sou eu
também que estremeço e umedeço o olhar com meu aluno que treme, com o jornal
nas mãos.
Assim,
nessa condição emocionada, lembrei-me também de Rubem Alves e do lindo livro
Variações sobre o Prazer. Entre tantas bonitezas, ele afirma que o corpo sabe
sem saber, e resgata o personagem Riobaldo, de Guimarães Rosa: “O corpo não
traslada, mas muito sabe, advinha, se não entende” (p.77). Gosto também quando
ele nos desafia a encontrar as crianças em cada um, pois a crianças sabem lidar
melhor com as “caixas de brinquedos” enquanto os adultos, tantas vezes, ficam
restritos às “caixas de ferramentas”. Assim, vale igualmente o pensamento do
poeta Manoel de Barros, quando diz que “a palavra poética tem que chegar ao
grau de brinquedo para ser séria”. Penso que isso é pertinente para a educação também,
que precisa mobilizar afetos profundos. Para tanto, precisa fazer com que o
sujeito se sinta em processos de brincadeira séria e, assim, se permita
emocionar-se, revolucionar-se, crescer, ameninando-se, vibrando e, se preciso
for, estremecendo com as experiências de se entregar, de se mostrar, de ser fazer
seres em processos de autopoiese, de reinvenção de si mesmos.