Eu trabalho
com a palavra. Em grande parte do tempo, meu trabalho, minha vida, envolve o
trato com as palavras. As palavras e o pensamento. Falo, escrevo, reviso textos,
analiso falas, converso com as pessoas, nas mais diversas situações, e penso,
reflito, procuro entender... Todos os dias, dedico-me a aprimorar a lida com as
palavras, a ajudar as pessoas a se expressarem, oralmente e por escrito. Há
muitos anos, estou voltada a ajudar as pessoas a se autorizarem a serem autores.
Esse é um dos meus sustentos existenciais. Inscre’ver-me’ e ajudar outros a se
inscre’verem-se’!
Eu também
penso muito na vida e nas palavras. Penso sempre nas palavras que disse, que
escrevi e, claro, nas palavras que li e que ouvi. Fico, às vezes, refletindo
sobre a composição das palavras, com essa misturas de sons e, no caso escrito,
letras, que vão se juntando, meio que se entrelaçando e que, depois disso,
produzem sentido para os iniciados, para aqueles que aprenderam os traços
básicos da significação, da palavra falada ou escrita em determinada língua.
Se formos
pensar bem, é sempre uma espécie de mágica, que eu escreva uma palavra como ‘flor’
e o meu leitor imagine uma flor. Uma mágica da relação, do processo de
aproximação entre os seres que vão compartilhando experiências de significação,
até a mágica situação de alguém, como eu, escrever ‘flor’ e outra pessoa
imaginar ‘flor’. Ainda que haja variações entre a flor proferida, dita, escrita
e a flor imaginada, haverá confluência, encontro, em termos de significação, e
o ser leitor receberá do escritor traços básicos de flor e, por isso, também, a
comunicação, o encontro complexo de seres em significação, florescerá! Sim,
mágica!
Também penso
muito na quantidade de palavras circulantes contemporaneamente, que não têm
alma. Palavras desalmadas, sem substrato de significação. Por alguma aberração
da natureza humana e das relações, muitas pessoas desenvolveram uma falha do
processo mágico e produzem palavras sem substância significacional. Quer dizer,
as palavras são ditas, escritas, as pessoas que as ouvem ou leem tendem a
produzir interpretações, guiadas pela lógica inerente à construção da palavra, e depois, deparam-se com abismos
existenciais ou relacionais. Algo se interrompe na mágica da palavra que
existiu. Seria algo da ordem da ‘traição das palavras’. As palavras traem a
significação da cena, porque não tinham substrato significacional suficiente
que as mantivessem como ‘palavras ditas’ (ou escritas!).
Então,
tantas vezes, paramos, olhamos para trás e pensamos: “Mas e o que foi dito? E
as palavras tantas ditas, trocadas? E as combinações feitas?”. Surge, então, um
natural estranhamento, porque, no momento da enunciação da palavra proferida,
tudo parecia tão verdadeiro: o momento, o som das palavras, o aninhamento dos
sons e, depois, das palavras, elas mesmas, aninhadas em frases. Tudo parecia
fazer um sentido alinhado com cenário, personagens, enredo, energias. Por isso,
talvez, seja tão estranho depararmo-nos com o despenhadeiro de sentidos...
descobrir que, apesar de cena ser verdadeira, a profunda intensidade de
significação da palavra não era. Desfez-se em nada, como se fosse uma cena de
novela, que apesar da aparência de verdade, rompe-se drasticamente, no momento
em que alguém grita: “Corta”.
Talvez seja
um pouco esse o motivo! Inebriadas com o envolvimento das produções
audiovisuais e a midiatização das relações, as pessoas talvez tenham se
acostumado com o fato de que a cena não é a cena vivida, mas a cena
representada. A cena criada para gerar tal envolvimento emocionado e produzir
tais resultados, segundo os interesses do roteirista e diretor. Assim, tantas
vezes, me pego perguntando: “Quem escreveu essa cena? Que texto é esse que
aparenta tanta verdade e que, depois, se mostra tão sem significado, na
continuidade dos acontecimentos?”.
Difíceis
tempos de esvaziamento das palavras. Ainda mais para mim, intensa e amorosa por
natureza, com as pessoas, com a vida, com as palavras. Cada palavra, para mim,
é uma oração à vida. Carrega minha singela e intensa verdade. Nas minhas
palavras, acredite, você vai encontrar meu corpo, minha alma, meu espírito,
minha transposição em ser intenso, em verdade, que permanece em coerência à
cena da palavra proferida. Quem recebe meu texto, em alguma circunstância da
vida, me tem, de alguma forma, e para sempre, na minha melhor forma possível,
daquele momento. Em cada letra ou ínfimo som produzido, estou eu mesma
inscrita, entregue, aninhada, buscando repetir a mágica do encontro com o
outro, encontro-abraço! Encontro-abraço-comunicação!